quinta-feira, 24 de junho de 2010

Voz passiva

Prefiro andar distraído, dentro de mim, recolhido, subtraído da vida, do mundo, do sagrado convívio com todos que quero se esqueçam de mim; esquecer-me do mundo é o meu paraíso. De que me serve escutar a vida, ferir-me com o que não quero ouvir, e ouvir o imprevisto, o importuno mendigo que suplica ajuda, a vida que grita pedindo que eu saia de dentro de mim e volte a viver. Mas prefiro andar distraído, andando perdido nos mesmos caminhos de todos os dias, conservando a tediosa rotina que não quero quebrar ouvindo o que passa perto de mim.

De todos que passam por mim eu pouco conheço, tenho medo de ouvi-los falando comigo, pedindo socorro, chorando seus medos, e prefiro deixar meu egoísmo velado, e não ter que esquivar-me do que pede que eu saia de dentro de mim. Prefiro viver escondido, cerrando os ouvidos, e ouço só o que quero, o que não incomoda e tampouco me assusta, e nem pede que eu saia de dentro de mim. A pouco e pouco aqui dentro cresce o meu egoísmo que não quero mostrar, e a pouco e pouco morro pedindo socorro, temendo que ouçam meus gritos os que temo que falem comigo, e morro sozinho.

Prefiro andar distraído, dentro de mim, recolhido, e vivo escondido, passivo.

Vivo?

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Sacrifícios

Que sacrifícios nós somos capazes de fazer por Deus? Quanto vale para nós a Vida Eterna? A essas perguntas nem sempre somos capazes de responder e, quando somos, muitas vezes trazemos apenas mais uma frase que decoramos e que gostamos de repetir para ostentar uma falsa virtude.

Respondamos sinceramente: que sacrifícios nós somos capazes de fazer por Deus? Muitas vezes suportamos sofrimentos maiores para podermos ir a um "lugar que nos agrada" do que para irmos à Santa Missa ou ao grupo de oração. E os suportamos voluntariamente, porque ficar em casa nos pouparia de todo aquele sofrimento. Escolhemos sofrer para nos divertir, mas não para rezar.

Um exemplo simples nos ajudará a entender. 'Quando estou com dor de cabeça não posso ir à Missa, mas a uma festa sim. Afinal, quando estou doente não consigo me concentrar e não vou participar dignamente do Santo Sacrifício. Em uma festa, em quê pode atrapalhar uma simples dor de cabeça?' É um exemplo banal, mas creio que todos entendem o que quero dizer.

Além disso, quando falo de escolhas feitas em detrimento do mal de que padecemos eu me refiro também ao necessário cuidado que devemos ter com nosso corpo. Nenhuma situação legitima a negligência ou a displicência nesse cuidado, porque "o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado" (Mc 2, 27), as festas foram feitas para o homem e não o homem para as festas. Examinemos, pois, nossa consciência. Quais são os nossos verdadeiros valores? Onde esperamos encontrar a felicidade?

"Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós, o qual recebestes de Deus e que, por isso mesmo, já não vos pertenceis?" (1Cor 6, 19)

terça-feira, 8 de junho de 2010

Hipocrisia


O que já fizemos de mal quando não éramos vigiados? O que não fizemos de mal porque éramos vigiados? Onde está a virtude que deveria motivar nossos atos, onde a pureza de consicência que deveria orientar nossa conduta? Às vezes me pergunto: será que realmente amamos a Deus ou o discurso cristão serve apenas para anestesiar a nossa consciência? Vivemos sempre prontos a pensar nos erros que queremos cometer, planejá-los, e ainda colocamos nos nossos planos a confissão sacramental ao final de tudo. Quanta hipocrisia! Valores que deveriam ser estimados e praticados por nós, cristãos, são postos de lado como se fossem apenas preceitos morais, disciplinares, regras que aprisionam e que servem apenas para conservar aparências, ostentar a opulência de nosso coração quando estamos na companhia de outros mais virtuosos que nós. Mas, ai, que quando nos associamos a outros tão hipócritas quanto nós, ou até mais que nós, encontramos a ruína completa! O próprio santo Agostinho reconhecia que certos males ele não teria praticado sozinho:
"Meu Deus, eis diante de ti a lembrança viva de minha alma. Sozinho, eu não cometeria aquele furto, no qual não me comprazia na coisa que eu roubava, mas no ato de roubar; sozinho, não me teria atraído a idéia de roubar nem sequer teria roubado." (Confissões II, 17)
O que é que buscamos, então, apegando-nos ao mal e aos maus? Perto deles nos envergonhamos de professar a nossa fé e nos deixamos levar por suas perversas sugestões. Poderíamos, no entanto, deixá-los, mas assim nos esquivaríamos da responsabilidade alertá-los a respeito do mal que lhes causa à alma o mal que praticam. Deveríamos, portanto, ser cristãos a todo tempo, para que a condenação dos que não exortamos não nos condene também — o nosso testemunho será a exortação oportuna.
É um contrassenso sem tamanho "cristãos" louvarem, às vezes, virtudes de outros cristãos, mas não se empenharem em imitá-las. Será que vale a pena ser hipócrita? Tenho para mim que é mais fácil ser autêntico, seja para o mal ou para o bem.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Vivei transfigurados

Amados filhinhos, não vos esqueçais de mim. Peço-vos que sejais santos, mas viveis ainda presos aos mesmos vícios que tantas vezes me confessais, dos quais vos dizeis arrependidos. Por isso, não vos esqueçais de mim. Não vos condeno por cairdes, por serdes frágeis e sempre propensos a pecar. Se fordes condenados, sereis vós mesmos que vos condenareis, não Eu. Por isso, não vos esqueçais de mim. Estou sempre perto de vós, e em todas as vossas tribulações Sou Eu o consolo e refrigério de que necessitais.

Tantas vezes vos queixais dizendo que estou distante de vós. Dizei-me, quando foi que estive longe, quando foi que me esqueci de vós, filhinhos meus? Antes, não fostes vós que me esquecestes? Não fostes vós que colocastes vossas vontades acima da minha, enquanto pedíeis com ansia excessiva que Eu as realizasse todas? Não fui eu que me afastei de Vós, mas fostes vós que quisestes ser superiores a mim, e assim me esquecestes, esquecestes quem Sou, vós vos fizestes deuses de vós mesmos e de mim quisestes fazer vosso escravo.

Uma outra vez vos peço, filhinhos, não vos esqueçais de mim. Vivei transfigurados, vivei na minha companhia! Não é muito o que vos peço, apenas quero que sejais felizes, e vós o sereis se viverdes como Eu vos ensino, como eu vos mostrei com minha própria vida. Não é demasiado difícil o que vos peço, não é pesado o fardo que vos entrego, não é difícil o caminho que vos aponto. Apenas peço que fiqueis comigo, que vos contenteis com minha companhia, e nada mais. Quando isto sinceramente desejares, "o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito". (Jo 14, 26) Assim sereis transfigurados, e a imagem do pecado se apagará em vós e sereis, então, imagem e semelhança minha, filhos de Deus íntegros no meio de uma sociedade depravada e maliciosa, onde brilhareis como luzeiros no mundo, a ostentar a palavra da vida. (cf. Fl 2, 15-16a)