quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Chove

Chove. Eu e minha casa de papel desfeitos, fugidos, caçando abrigo contra a água e o preconceito, olhares mal feitos, defeito em epidemia. Aonde vou, eu sem minha casa, sem minha vida, vida em desabrigo? Morro entre desconhecidos, invisível, temido, esquecido. Onde vivo, onde morro, na rua, nas praças, não tenho minha casa, não mais, o papelão molhado se perdeu perdendo-me também, infortúnio previsível que não pude evitar e fugia de mim quem poderia, mundo ameaçado por minha pobreza, vida em desabrigo, em desalento.

O que posso fazer? São todos melhores do que eu os que vivem em casas que não caem, os que se cobrem no frio, os que de dentro de seus carros me veem como se eu fosse paisagem e meu desalento um acidente, acaso inevitável que preferem ignorar.

Fico em silêncio enquanto tento salvar umas folhas de papelão molhado na esperança de reconstruir meu abrigo. Sei que a nova casa só sobreviverá até a próxima chuva e se repetirá minha sina enquanto eu viver, enquanto viver só quem não me vê. Não tenho culpa de viver assim e a ninguém tampouco culpo, faço silêncio enquanto tento sobreviver. Não tenho muito tempo.