quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O lugar do silêncio

Qual é o lugar do silêncio? Podes entender esse "lugar" como uma metáfora, uma imagem que te faça pensar na importância que dás ao silêncio. Podes também imaginar um espaço, como uma igreja, um parque, teu quarto, um cemitério, uma biblioteca ou algum outro em que seja possível fazer certo "silêncio material". Há que se considerar todas essas coisas, mas uma outra é mais importante. O silêncio é uma atitude interior, uma disposição de nosso corpo e de nosso espírito, o oportuno recolhimento de nossas faculdades para nos voltarmos inteiramente para nós mesmos, numa serena contemplação de nosso mundo interior. Aí deparamo-nos com tudo o que fazemos orbitar ao nosso redor, os barulhos interiores aos quais, nessa hora, não devemos nos submeter, nossas fadigas e angústias, nossa imaginação e fantasia sugerindo-nos inúmeras ocupações para nosso pensamento, o incômodo de ouvir nossa própria voz, de dar ouvidos às nossas inquietações mais secretas. Aí encontramos Deus, ouvimos Sua voz, sacramentada em nossa consciência, instando-nos a acolher sua graça a fim de que nos assemelhemos a Ele na comunhão com Sua vontade. Nesse ponto podem ajudar-nos aqueles meios há pouco enumerados, o tempo e o espaço que dedicamos a esse exercício, mas, faltando-nos estes, não pode faltar-nos decisão, resiliência, persistência, desejo, liberdade.

Olhar para si mesmo talvez não seja fácil, sobretudo quando à nossa volta tudo parece concorrer para fazer-nos olhar para fora, ver o mundo, preocupar-nos com tudo e com todos a todo tempo enquanto justifica suas propostas com o prazer anestésico da dissipação e da distração. É onde muitos se perdem, acreditando que o silêncio seja mágico e instantâneo, tal como o mundo quer fazer-nos crer que devem ser todas as coisas. Ao contrário, descobre em ti mesmo o lugar do silêncio, deixa crescer em ti o desejo de encontrá-lo e procura-o, incansavelmente, até que o encontres. Persevera em tua busca e não te rendas ao cansaço ou ao desânimo, esforça-te, supera os limites que julgas ter, corre além do que te julgas capaz de correr: tuas forças se esgotam sempre depois do que podes prever. Não te poupes, esforça-te ao máximo sem desistires, até que caias, esgotado, sem forças, por te haveres gastado totalmente.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Assombro

Não percais o assombro, não vos torneis insensíveis à multiforme graça de Deus que se nos manifesta de diversos modos, velada naquilo que se nos tornou comum. Não percais o assombro!

De fato, Deus jamais se esconde, mas manifesta-se sempre, é sempre visível e sempre sensível, nunca oculto, porém velado, e embora seja infinito e inacessível a nossos olhos e ouvidos (cf. 1Cor 2, 9), em suma, aos nossos sentidos todos, é, no entanto, manifesto inequivocamente a todo homem em toda parte: "Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar". (Rm 1, 20)

Não percais, porém, o assombro! Por perderem a capacidade de maravilhar-se, muitos imaginam que Deus seja invisível e ausente. Por perderem a capacidade de maravilhar-se, muitos vivem ávidos por novidades e espetáculos, artifícios que entorpeçam a razão e os sentidos. Por perderem o assombro, muitos se afastam do Evangelho e fecham seus ouvidos à voz de Seus arautos, ignoram a Palavra divina, reputando-a como antiga e já passada, mera literatura e construção artificiosa da habilidade humana. Muitos há enfadados pelas palavras seculares do Evangelho, nunca alterado e perene. Muitos há que, esquecidos da essência da Boa Nova de Cristo, entre pregadores e ouvintes, procuram em palavras que escondem o mistério descobri-lo por si mesmos, tentando fabricar o maravilhamento, essencial à experiência do sagrado, por meio da jactância.

Não percais o assombro! Maravilhai-vos com a permanente atualidade do Evangelho, nunca obscurecido nesses quase vinte séculos de história desde que pela primeira vez um ser humano pôde ouvir o que antes jamais se pudera ouvir. Nunca Deus parecera tão próximo, visível como se fora criatura, Deus imanente e transcendente, verdadeiramente presente.

Falo também a mim mesmo. Fiz da literatura meu ofício, ministério que escolhi depois que a hesitação mudou-se em desejo, inclinação e, finalmente, ato. Minha obra, a escritura, poderá ser possível apenas se revestida de elementos que, por si mesmos, causem o assombro? Artista, exponho-me ao risco de pretender tornar-me em boa nova e chamar a atenção para minha palavra e não para a Palavra, o Verbo divino que supostamente pretendo dar a conhecer. Minha condição impõe-me um risco do qual não me esquivo e por vezes impõe-me um silêncio incômodo que me pressiona; a inércia, porém, não é próprio da virtude.