quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Vicário

Amor vicário, amor vero, testamento de que me escolho destinatário. Faço-me, por humildade, herdeiro de bens que me superam o entendimento, vazio em que me deixa o dom descrito, revelado, escondido e manifesto num anúncio, verbo, palavra, símbolo e sacramento da vida que tenho e espero, amor vicário. Toma-me o lugar o bem que anseio, a vida que me fora prometida rouba-me o lugar e morre, salva-me a vida imerecida, devolve-me a que perdi e já não a perdi, voltou antes que fosse o que deixara partir, curso interrompido por evento imprevisto, inaudito, divindade morta e revivida em corpo humano, humanidade desfigurada e transfigurada, imagem deformada da vida, vero reflexo de minha vileza, amor vicário. Despeço-me e fico aqui, deixo partir o passado, a traição de outrora já não é, pertence a outro tempo que não toco, toquei, passado. Despeço-me, parto já, fique o amor em meu lugar, amor vicário. De tudo faça-se páscoa, luz esquiva e breve, recorrente, amor que fica qual rastro, caminho traçado, sinal, destino e passagem, agora passado, presente e futuro ainda ausente, esperança, amor vicário.

Transfigure-se minha vida, dom imerecido que tenho, custódia que me fiz de luz tão luminosa, verbo que faço, forçado em voz passiva, paciente que fui de dom que me supera, ultrapassa e perpassa tudo o que sou, fui, serei. Desde que o conheci preferi sua companhia, troquei o passado por este presente que me transfigura os outros, já antigos, primeiras letras do que agora escrevo à luz presente. Amor vicário, fica em meu lugar, vejam-te em mim os que vejo, não me vejam sem ver-te, tu em meu lugar. Troca-me o desejo em oração e meu coração pelo teu: ganho tudo e tu nada perdes! Amor vicário, redentor, seja eu teu sacrário, morada, ostensório.