segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Segredo

Soubesse eu antes
Das penas do caminho
Não te seguiria,
Mas o amor, ah,
O amor faz segredo
Da pena, da dor
E das lágrimas
O amor seduziu-me,
Em minha ingenuidade
Conquistou-me e eu
Não resisti
E não me arrependo,
O amor tinha razão:
Só ele serve, só ele fica
E o resto já
Não é mais segredo
É lugar onde o amor
Se escondeu

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Bem-aventurados

Do mal o bem nasce
Como se renascesse
Dali, da sombra,
inesperado, fortuito
evento e inusitado.
Deus do mal tira o bem,
e tão grande bem
que faz parecer
que quis, antes, o mal
que o bem para a este
daquele tirar
Mas Deus preferiu
Tirar do mal o bem
a não deixá-lo existir.
Grande mistério,
inalcançável,
deleite sempiterno
de que não sei gozar.
Meu alívio, sofrimento,
Meu descanso, trabalho,
Meu sorriso é meu pranto.
De mim mesmo, nada,
De Deus, tudo encontro
Onde de mim nada vejo,
nem desejo ou posse,
tampouco consolação,
tenho o que recebo
do tempo, do acaso,
de Deus ou de outros,
tantos outros,
minha dor, agora gozo,
alívio, felicidade
que não sei rejeitar.
Felizes, invejados,
Bem-aventurados
Os que vivem assim,
Como Deus quiser.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Se não por ti

Se não por ti, por quem?
Como sofrer em paz
Senão por ti?
Como ser paciente,
Senão por ti?
Fora de ti não há
Razão que baste
Nem alívio duradouro,
Não há gozo verdadeiro
Nem pena suportável
Se não por ti, por quem?
Por quem teria esta pena
Algum valor?
De tudo faço sacrifício,
Da pena e do gozo,
Em tuas mãos riquezas
De igual valor.
Abandono-me ao teu querer
E calo o meu, nada desejo,
Assim desejo tudo,
Tudo me serve,
Tudo me contenta,
Tudo será sacrifício
E eu serei santo
Quando de mim
Fizer meu último dom

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Ad Gentes

O que encontro aqui de mim? Estive aqui para perder partes de mim que pudessem ser achadas? O que posso encontrar de mim nestes lugares? Seria possível descobrir de mim mesmo alguma parte perdida aqui, onde jamais estive?

Pergunto, não espero resposta nem procuro nada que possa servir de sim à dúvida. Ansiedade é esforço inútil, uma onipotência ilusória frustrada em sua própria fantasia. Não quero novidades nem tampouco as rejeito, espero o que chegar, procuro o que encontrar, acomodo-me a tudo, mas não me deito, vivo, e vivo tudo o que puder. Para mim a vida é sempre novidade e esperança, caminho que faço seguindo passos de alguém que esteve aqui antes de mim e que me guia como estivesse ausente, como uma luz interior que me manda silenciar e seguir sem temer o passo próximo.

Temo apenas perder-me, esquecer de encontrar-me, de perceber as partes de mim que aqui não foram perdidas mas que me podem formar e reformar, restaurar o que fui e o que seria se outrora não me tivesse perdido, por minha culpa ou por minha condição. Encontro-me aqui, aqui estou, aqui sou, mas não por mim, não me procuraria aqui. De minha vontade encontro aqui apenas a submissão, a alegre obediência e sujeição à vida que escolhi, a serena liberdade de não querer nada e querer tudo, sereno sacrifício nunca penoso, nunca pesado. Saio de mim, êxtase consciente que sofro e que gozo, contento-me com tudo, tudo me serve, tudo me forma, tudo me consola.

Ouvi dizer que o amor é paciente e tudo suporta. Entendi que o amor se sacrifica, perde-se em favor do amado, dele tudo suporta, mesmo contrariado, é paciente e tudo suporta sem irar-se ou rebelar-se, faz de seu próprio desejo sacrifício e o faz silêncio, alegria, dom perene de si pela vida do amado.

Sigo um Cristo que não queria sofrer, um Cristo que, no entanto, escolheu o sofrimento para ter a salvação de seus amados. Sigo-o, por isso desejo ser como Ele, meu mestre, o Amor.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A tirania dos hipócritas

"O pardal lastima que o pavão tenha cauda tão pesada. (R. Tagore)

Os hipócritas são um tipo interessante, no mínimo. Admira-me o esforço que fazem para parecerem virtuosos diante daqueles que querem que os vejam assim. Chega a causar espanto o empenho desse tipo em construir para si máscaras e personagens que caibam aonde forem: na igreja, um, no bar, outro e na família, ainda mais um.

É um feito admirável o que conseguem. Merecem uma medalha, talvez. Uma homenagem, um ode, uma apologia ou uma página de pessoa pública no Facebook (disso gostariam, provavelmente). Sua fama os precede. Seus rostos sorridentes, suas mãos sempre levantadas em protesto contra os males que assolam o povo, sua presença sempre antecipada em ações comunitárias beneficentes, sua presença sempre notável em trabalhos pastorais e caritativos. Quantas fotos belas para serem publicadas nas redes sociais! Quanta virtude para ser ostentada gratuitamente! Nos seus lábios nunca há uma palavra ofensiva, seus discursos são sempre politicamente corretos, polidos e aceitáveis, desejáveis, floridos e enfeitados com uma oratória invejável.

Mas, os hipócritas são um tipo interessante, volto a dizer. Raramente vivem sozinhos, andam geralmente em bandos, podem ser os amigos santos que andam sempre juntos na Igreja. É como se procurassem desesperadamente por cúmplices e álibis, por outros de si com quem possam ter algum alívio de seu esforço heroico para sustentarem de pé o santo oco.

Curiosos, espantosamente hábeis na arte do pavoneio, são no entanto bastante numerosos, embora nem sempre sejam identificados facilmente: é preciso fazer parte de seu grupo, ser confundido por eles com um deles ou ser cobiçado para ser mais um de seus membros exóticos. Gostam de trocar experiências, de rir-se dos enganados e de gloriar-se dos louvores que recebem pelas virtudes que demonstram. É um clube de narcisos e pavões. Vivem contentes por suas realizações, os ideais esculpidos e ostentados como troféus de sua magnanimidade. Alguns são excessivamente críticos e arvoram-se como juízes severos, como guardiães irrepreensíveis da verdade e da ordem. Outros são mais discretos, mostram-se indulgentes e compassivos, são sempre afáveis e demonstram generosa misericórdia. Nesses dois tipos dividem-se os hipócritas, grupos rivais que dividem e fragilizam seus tronos e púlpitos, dos quais cuidam, cooperativamente, com zelo admirável.

Frequentadores de festas beneficentes e festejos religiosos, encontram ali um momento de alívio para seus esforço, reúne-se o bando e retiram as fantasias e adornos, todos cúmplices do mesmo delito, testemunhas cujo silêncio compra a própria impunidade. Estão ali e em celebrações religiosas, quando ficam sempre à vista de todos, heróis do zelo e da dedicação, da caridade e do compromisso com a Igreja, com Deus e com o padre.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Apologia à Coragem

Olham-me como se eu fora virtuoso, corajoso, exemplo de determinação e resiliência no seguimento de Cristo. O motivo? Minha consagração e minha forma de vida. Há quanto tempo estou aqui? Aos outros importa muito, a mim diz pouco ou quase nada. Minha forma de vida também, é para mim mais necessidade que virtude, é grito de Deus que me obriga a refugiar-me mais que outros num lugar sagrado para não sucumbir ao risco de me perder de Deus. Do lado de fora eu seria fraco demais. Disso nasce o desejo de escrever aqui uma apologia aos mais corajosos e virtuosos que eu.

Olho para mim e me vejo escondido, apareço pouco, luto pouco, quase só comigo mesmo e meus defeitos, meus delitos. Aos poucos e a poucos tenho a chance de alcançar daqui, quase só aos que chegam, aos que vem, aos que chamam. Os outros, aqueles mais virtuosos que eu, e são muitos, vejo noutras partes, noutros lugares, lugares onde está o povo que não vem, os que não chamam, os que não rezam. A esses vou também, mas eles muito mais. Vivem entre eles como se fossem como eles, vestem-se como eles, trabalham com eles e como eles, cultivam sonhos e planos semelhantes aos deles, infiltrados e misturados aos infiéis, aos desgraçados, próximos a bons e maus, a justos e ímpios, quase disfarçados e com vestes comuns, rostos comuns, vidas comuns. Vejo-os como valentes guerreiros que sustentam combates mais cruéis que os pequenos e leves que eu enfrento: vejo-os intrépidos onde eu me renderia.

Uns chamam corajosos e ousados aos que saem do mundo para viver assim como escolhi viver, outros, e entre esses conto-me a mim, veem mais coragem e ousadia nesses a quem aqui louvo, vejo mais virtude em lutar ali onde os golpes são mais cruéis. Vejo muitos assim na frente de batalha enquanto eu somente monto guarda às portas da cidade. Aqueles meus irmãos vão à frente para negociar a paz e a reconciliação com os chamados inimigos. Eu fico aqui qual escudo, guardando a cidade de ataques junto a tantos outros e guardando os que ficam, para que não queiram fugir com medo de que o inimigo seja mais forte. Eu, aqui, deixo ver pouco do que sou atrás da virtude que mostro e que pareço ostentar por dedicar-me exclusivamente a trabalhos de evangelização; aqueles, diferentemente, vão a combate com armadura mais frágil que a minha, o que os obriga a um cuidado maior do que eu.

Sou virtuoso por deixar tudo e seguir Jesus? Sou virtuoso por ser pobre sem ter riquezas nas mãos? Muito mais aqueles que são pobres e trazem nas mãos as riquezas do mundo, que tem o coração livre na presença de quem os poderia prender, que põem os olhos no alto tendo-os tanto no chão, na terra e no tempo.

Quanto a mim, rezo por eles, para que permaneçam ali onde devem ficar e, de minha parte, faço o que devo fazer, nada mais. Falta-me generosidade? Talvez. Mas não me incomodo, por que mesmo a maior generosidade que eu pudesse ter faltaria diante de tudo que devo dar de mim, e devo dar-me inteiro; generosidade seria dar o que não tenho, por isso nada faço além do meu dever. Rezo.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Tu me amas?

Não consigo tolerar certas sutilezas românticas que traem o bom senso com sentimentalismo. Nada contra os românticos, mas tenho algo contra os excessos.

Outro dia vi uma frase circulando pelas redes sociais sob elogios e manifestações de comoção: "Só diga que me ama depois de ter se decepcionado comigo ou então eu vou esperar a primeira ferida para ver o quão verdade isso é." (Abner Santos) Foi-me indigesto à primeira vista. O motivo? É simples...

Não acredito num amor que só se autentica numa decepção nem tampouco num amor que exige provas de amor do outro. Parece exagero falar assim, mas ainda prefiro crer num cristianismo que prega o dom de si ao invés de "reivindicações de caridade". Reduz-se o amor a tão pouco! Crer nas pessoas é também amar e, antes de esperar que amem, devemos amar. Se duvido do amor do outro até minha próxima falha sou, na verdade, interesseiro, mesquinho e egoísta. Devo dar amor e não esperar que me amem de verdade.

Faço duas leituras daquele dizer que citei no início:

1. Amas-me? Duvido. Far-me-ei teu inimigo e, se ainda me amares, saberei se dizes a verdade.

2. Amo-te? Não sei. Faze algo contra mim e saberei dizer-te com certeza.

Exagero, talvez, mas às vezes é bom levar aos limites as ambiguidades sutis que podem ficar bem escondidas atrás de certos romantismos. É certo, o amor ao inimigo e ao que nos fez mal é a expressão mais visível do amor cristão, mas é apenas expressão de um amor que, antes, é incondicional e já é verdadeiro. O amor verdadeiro é permanente e não depende de merecimentos, por isso o momento da decepção "prova" sua verdade. O problema é colocar essa "prova" como uma exigência, uma condição para se poder esperar amor do outro.

É este meu pensamento: o amor sempre espera o bem do outro e segue sempre amando [e esperando esse bem]. O amor não se decepciona porque "não busca os seus próprios interesses, tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta." (cf. 1Cor 13, 5-7)

"Quem tem ouvidos para ouvir que ouça." (Mt 11, 15)

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Vicário

Amor vicário, amor vero, testamento de que me escolho destinatário. Faço-me, por humildade, herdeiro de bens que me superam o entendimento, vazio em que me deixa o dom descrito, revelado, escondido e manifesto num anúncio, verbo, palavra, símbolo e sacramento da vida que tenho e espero, amor vicário. Toma-me o lugar o bem que anseio, a vida que me fora prometida rouba-me o lugar e morre, salva-me a vida imerecida, devolve-me a que perdi e já não a perdi, voltou antes que fosse o que deixara partir, curso interrompido por evento imprevisto, inaudito, divindade morta e revivida em corpo humano, humanidade desfigurada e transfigurada, imagem deformada da vida, vero reflexo de minha vileza, amor vicário. Despeço-me e fico aqui, deixo partir o passado, a traição de outrora já não é, pertence a outro tempo que não toco, toquei, passado. Despeço-me, parto já, fique o amor em meu lugar, amor vicário. De tudo faça-se páscoa, luz esquiva e breve, recorrente, amor que fica qual rastro, caminho traçado, sinal, destino e passagem, agora passado, presente e futuro ainda ausente, esperança, amor vicário.

Transfigure-se minha vida, dom imerecido que tenho, custódia que me fiz de luz tão luminosa, verbo que faço, forçado em voz passiva, paciente que fui de dom que me supera, ultrapassa e perpassa tudo o que sou, fui, serei. Desde que o conheci preferi sua companhia, troquei o passado por este presente que me transfigura os outros, já antigos, primeiras letras do que agora escrevo à luz presente. Amor vicário, fica em meu lugar, vejam-te em mim os que vejo, não me vejam sem ver-te, tu em meu lugar. Troca-me o desejo em oração e meu coração pelo teu: ganho tudo e tu nada perdes! Amor vicário, redentor, seja eu teu sacrário, morada, ostensório.

sábado, 10 de agosto de 2013

Sabor

Prova o sabor das coisas do alto
Prova e vê, melhores são elas
Do que todo o resto, mesmo que
o resto ainda te seja e pareça
tão essencial, indispensável
Prova o sabor, corre o risco
de perder o que tens, arrisca-te
abandonar o que vês, prova o sabor
que não tens, que não tocas
Melhor é o Senhor que todo o resto
mesmo que o resto seja tudo
que vês e que tocas, que provas
com tuas habilidades, capacidades
falhas, sempre insuficientes,
insensibilidade permanente,
distração constante, perseverante
no erro, no raso, no brilho
fugaz e falso de todo este resto
que te escapa das mãos tão logo
pensas tê-lo alcançado
Prova o sabor das coisas do alto,
esquece a vida de baixo, a do alto
é melhor, infinita, prova-a
misturada aos sabores daqui,
do tempo, de tudo sensível,
Mas não queiras levantar
os olhos, olha embaixo na terra,
aqui vês o céu refletido, aqui
e não noutra parte, prova
aqui já o sabor do alto
e crê, escondida está tua vida
Com Cristo, em Deus e no tempo
em que provas do alto o sabor
misturado aos sabores da terra,
escondido em imagem que esconde
sua verdadeira beleza, desvio
necessário a nossa falha razão,
beleza de barro, de sangue,
o Céu fica embaixo, no chão

terça-feira, 9 de julho de 2013

Fora de mim

Vivo já fora de mim, já não me tenho
aqui seguro, em refúgio feito por mim,
num lugar que seja meu, só meu
Vivo fora de mim, noutro lugar e busco
por mim por lá, onde estou e não estou,
ali, noutra parte, não aqui, corações
que escondem a vida que procuro, vida
que não tenho inteira em mim, morte
que vejo aqui e tento vencê-la, cruz,
calvário que faço de mim mesmo, redenção
que tem lugar aqui, dentro de mim, coração
meu, novo calvário do Cristo, meu Cristo
que quis viver em mim, por mim, por outros,
por todos que se aproximam de mim e que eu
vejo, que sinto, de todos as dores se tornam
minha redenção, salvação, meu céu, oração

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Teus olhos

Abram-se nossos olhos para vermos os teus, Senhor!

Olhas-nos do alto, mas não como imaginavam os antigos, que esperavam sempre que o castigo seguiria imediatamente a culpa e a desobediência. Vivíamos sob vigilância permanente, sob o olhar atento e crítico de um Deus pronto a punir quem ousasse contrariá-lo. Vivemos em outros tempos, nos tempos da Nova Aliança, no tempo da misericórdia. É bem verdade que a misericórdia não é algo novo, mas é algo desde sempre presente na nossa história. Onde, então, estava o problema? Nos nossos olhos, respondo. O mundo sempre foi cheio de interpretações erradas, feitas e impostas por aqueles que tem algum tipo autoridade: elegemos nossos opinadores e os seguimos, cegamente e felizes por não precisarmos pensar. O mais interessante é que sempre a misericórdia aparecia nas teofanias bíblicas, desde o princípio e, por isso, volto a dizer, o problema estava na interpretação (e está ainda, talvez).

Abram-se nossos olhos para vermos os teus Senhor!

A mim parece simples, partindo de um conceito puramente racional de "deus", aceitar que sejas misericordioso. É uma questão de coerência essencial (perdoem-me a inconsistência do conceito, mas é como posso enunciá-lo agora). A criação da autonomia e da liberdade num outro ser totalmente outro diferente de teu Eu é evidência de teu absoluto poder, e não podes desfazer o que fazes nem tampouco deixar de querer o que queres, dedução lógica de tua perfeição. Pensando nisso, vejo que se castigasses aqueles que contrariam o que temos por ordem tua agirias em contrário à liberdade que tu mesmo criaste, e tu criaste um outro totalmente outro diferente de teu Eu.

Abram-se nossos olhos para vermos os teus Senhor!

É por isso que nos olhas com misericórdia, porque criando-nos livres e autônomos, em certa medida, criaste-nos imperfeitos, porém perfectíveis. Assim querias (e queres) que nosso progresso seja de aperfeiçoamento - e nisto entendemos um assemelhamento progressivo de nossa imperfeição a Ti mesmo, que és a própria perfeição.

Abram-se nossos olhos para vermos os teus Senhor!

Abram-se nossos olhos para olharmos uns aos outros como Tu nos olhas, Senhor! Esperas sempre o melhor de nós, um próximo passo mais acertado que o último, se o demos errado. Vês quando decaímos e nos tornamos mais imperfeitos, mas não esperas nem queres que nosso próximo passo seja na mesma direção. Não poderia ser diferente, porque em ti querer e esperar são o único e mesmo ato, o mesmo ato criador que nos fez perfectíveis e para a perfeição.

Abram-se nossos olhos para vermos os teus, Senhor!

Não nos desesperemos à vista de tua perfeição e de nossa imperfeição, mas leve-nos adiante a luz que vemos em ti, suma perfeição, tendamos ao nosso fim mais nobre, ao nosso fim melhor, nosso primeiro motivo. Que a perfeição que vemos em Ti se grave de tal maneira em nosso desejo que nosso olhar sobre nós e sobre todos seja como o teu sobre todos, esperança e desejo de perfeição, felicidade. Abram-se nossos olhos para vermos com os teus, Senhor!

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Mais um

Mais um dia como outros, como tantos outros. Mais um, um dia, e posso contar mais um na soma de meus anos. Tempo que tive, que já gastei, bem ou mal, que vivi, preparação para o que tenho à minha frente. É óbvio, mas dias como este nos fazem fazer memória, voltar ao começo, celebrar, como se hoje fosse o primeiro de todos os dias já passados. E já é passado, já aqui, nas minhas mãos estreito o tempo que não posso guardar, é passado, sempre, permanente.

Hoje é dia de olhar o tempo, à minha frente, presente, passado, todos num mesmo momento, como se já não houvesse tempo, transição, passagem e tudo fosse estável. Não é. Este dia me recorda que passo, marca o compasso de meus passos, de minha passagem por aqui, é passagem. Mais um, um ano que somo aos meus idos, aviso da morte que chega sem avisar. Passa o tempo, chega o final e lá, o que terei feito? Aos erros passados somarei quantos? As virtudes, quantas terei? Conto apenas anos, acumulando memórias mortas, ou vivo sem ater-me a um número que me recorda finito, curto, breve sopro de vento que logo se esquece? Sopro, sou eu aqui, e deixo minhas marcas na areia do tempo até que outro vento me desfaça e me retire daqui, levando-me a outro lugar, outro tempo, onde já não se pode contar.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O que pude ver

Deixastes-vos erguer na cruz
E o que queríeis que eu visse?
Mortificáveis meus sentidos
Com vosso silêncio
Nada eu via de cativante
E não vos fazíeis ouvir
Falastes pouco, apenas faça-se

Vosso silêncio, minha morte
Morre a esperança frágil
De ver-vos vitorioso
De ver-vos vencer meus males
Livrando-me de minha dor
Vivo veramente agora
Vendo-vos morrer assim

Mostrais-me vosso coração
Palavra que não pude ouvir
E beleza que não pude ver
Mostrais-me o mal que me tornei
Deixando-vos ferir de morte
Morre o Cristo por minhas mãos
Eis o que pude ver

Isto queríeis que eu visse
Cúmulo de minha maldade
Erguido naquela cruz o fruto
De meu delito, ora convertido
Em causa de salvação
Fazeis-me ver através dos véus
Hoje rasgados de meu pecado

Fazeis-me ver na morte a vida
Que perdi por minha culpa
Fazeis-me ver a morte que vos fiz
Padecer por minha culpa
E aí deixais a vida ao meu alcance
Desmerecedor que sou de tal favor
Amor que pôde superar minha vileza

terça-feira, 2 de abril de 2013

Falta

O amor é minha insuficiência, vazio sempre crescente de necessidades que não sei saciar. Amo, talvez, sem poder mais, faço muito, faço pouco sempre, há sempre algo que resta por fazer. Paro, medo de não poder, medo de não saber vencer limites tão claros, tão grandes, fraqueza nunca ausente e sempre mais forte que a força que julgo ter. Falta-me amor, não faltam-me forças, falta-me ânimo, vida que esvai-se no desejo de dar o que falta, falta tão repetida, falso alento que encontro em parar, imerso em lamentos que antecipo do fracasso esperado, tão esperado, jamais desejado, mas tão esperado quanto um íntimo amigo, inimigo que vive comigo e em paz. Traio a mim mesmo e morro sem saber amar como quero, morro sem amor, sem o amor que quero dar, morro dando o pouco bem querer que tenho, o coração meu que dei a Deus, adeus aos meus sonhos, desejos muitos que se fizeram amor que me retira o torpor do lamento, da frustração e do medo, desejo que tenho de sempre morrer para sempre viver, para para sempre viver. Meu lamento é não poder dar o quanto quero, a falta, o que sempre falta, a falta que faz o que não tenho e não dou, falta sempre repetida, desejo sempre frustrado, amor que falta, minha insuficiência.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Francisco

Teria podido Francisco imaginar que daria seu nome a um papa? Queria aquele pobrezinho reformar a própria vida, colocar-se abaixo de todos, ser servidor de todos e fora visto sustentando as colunas da Igreja, reformando a Igreja. Teria podido Francisco imaginar que sua vida tornar-se-ia profecia e ecoaria ainda hoje? O milagre de ainda quererem tantos tornar-se frades, o maior milagre de São Francisco, como dizia S. Padre Pio, hoje resplandece ainda mais claro e lúcido sobre toda a Igreja: o papa quer ser Francisco! O irmão de todos é também nosso pai, Pai Francisco, servo de todos, pobre dos pobres, guiando os que vão atrás de si sem querer-se líder, mas aceitando-se assim, querendo-se servo, pedindo uma prece e ajuda, pedindo a benção dos seus para poder abençoá-los.

A glória deixada ali por Bento é deixada de lado por quem lhe toma o lugar. Aquele que ora se assenta à cadeira de Pedro, aquele sobre quem se diz "sobre esta pedra edificarei a minha Igreja" (Mt 16, 18) abaixa a cabeça e põe-se debaixo do cetro de Cristo à vista de todos e, imitando o Cristo, reclina a cabeça e entrega o espírito, o ministério nascente, o novo início da Igreja.

Morre Bergoglio, nasce Francisco. Penso que este homem apenas esperava poder mudar seu nome, este que em si já fazia memória do pobrezinho de Assis. Tem em si marcados os sinais de Cristo, a missão de Cristo como vistos há tantos anos em Assis e até hoje em toda a terra: a pobreza tornada dom, riqueza não-vista, imprevista, luz que brilha desde o centro mais escondido do mundo, embora tão público e tão conhecido, partindo do fim do mundo brilha sobre o mundo inteiro, do lugar mais pobre a todos os outros lugares.

Pobre, papa, simples, sorridente, feliz por poder pôr no altar do mundo a pobreza de Cristo, o próprio Evangelho, encarnando-o, chamando-o de outro nome, nome novo, antigo, memória, sacramento: Francisco, ostensório de Cristo.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Sonhos

Sonhos, não sei porque os tenho. Sonho, esperança estranha, desejo, apenas, ilusão que creio real no futuro, futuro nunca presente e sempre próximo, aproximado. Final feliz, talvez, realizações, ócio calculado, premeditado, recompensa que espero pelo esforço que faço, que fiz, que farei num futuro também sempre ausente, aproximado, presente infindável, caminho que ainda me resta, preparação.

Medos, não sei porque os tenho. Dos sonhos, antônimos, inimigos, obstáculo inamovível, desesperança que me fere, atrasa-me o passo, fecha-me os olhos, aparta de mim o futuro ausente, fá-lo mais distante que antes parecia, névoa que cobre o sonho, esconde a luz. Medos, não sei porque os tenho.

Esperança, luz pouca que ainda resta, sonho que tenho e sei bem porque o tenho. Sentidos, sempre os busco, procuro, invento no meu esforço iterativo, minha história, construção.

Sonhos, agora conheço seu motivo, estranho movimento infindo, especulação. Meu sonho, vocação, resposta que faço ao desejo íntimo, desconhecido. Faço caminho sobre sonhos, esperanças, motivo íntimo, mais íntimo, que tenho, vontade que move o resto, as escolhas, as decisões, o definitivo que ponho qual pedra fundamental, minha razão, decisão, o sonho que faz-se por obra de minhas mãos e graça, auxílio oportuno e nunca ausente de Deus.

Sonhos, agora conheço seu motivo, Deus, feitor de tudo e de mim, meu motivo e destino, de meu sonho, realização, esperança nunca ausente, futuro já presente, redenção.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Causa de queda

"Ele será causa de queda e soerguimento para muitos em Israel." (Lc 2, 34)

O que se diz de Cristo deve(ria) poder ser dito dos cristãos. Assim deveriam os cristãos ouvir o Evangelho: como regra de vida, conselhos que deveriam ser sempre levados em consideração, e não só, seguidos em qualquer circunstância. Desses cristãos, um é mais eminente, eleito por todos, escolhido dentre todos para ser vigário de Cristo. Dele, Cristo, somos [os cristãos] imitadores e, portanto, de seu vigário, o que de Cristo faz as vezes por excelência, o sumo pontífice. Todavia, não o ouvimos, não seguimos seus conselhos, não compreendemos suas palavras. Temos olhos e não vemos, ouvidos e não ouvimos, tateamos, voluntariamente, sob as trevas de nossa própria ignorância. Por isso tomo a palavra, voz silênciosa que deixo aqui, em silêncio, a quem quiser ouvir.

Não quero aqui, apesar dessa minha posição, falar em defesa de uma doutrina, de uma tradição religiosa ou de um corpo hierárquico. Quero falar do que vi e do que entendi, apesar das interpretações várias da mídia e dos preconceituosos.

Vejo um homem, homem que leva um título e deixa o cargo, a autoridade, o poder. O vigário de Cristo desce do trono e já não é o que era, embora conserve-se como era, o mesmo homem, chamado ainda papa, pontífice, vigário de Cristo. Levando consigo o título, leva consigo a história, uma história que assumiu para si, não como custódia, mas como agente, paciente, responsável e desce de lá o homem, para esconder-se dos olhares de todos, das interpretações, das especulações. Esse homem não foge, mas se cala, à maneira do homem de quem toma o lugar, faz silêncio ante as acusações, cala-se e se deixa matar. Fica ali, nos palácios, um cargo, o poder, a popularidade. Não questiono seus motivos, basta-me o que o ouvi dizer. Faltava-lhe vigor para exercer tão excelso mandato, vigor extenuado pelo tempo, pelo esforço, pelo martírio de um homem que foi ali colocado, e a isso consentiu, como voz de todos e voz de Deus. Aquele que sempre disse que seu cargo era serviço e nunca poder, deixa o poder que lhe adveio do cargo para poder apenas servir, em silêncio.

Prefiro não dar ouvidos às especulações, às interpretações. Se a todos dão a isso o direito, faço-o também, interpreto, descrevo o que vejo com os olhos que tenho.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Nasça de mim

Sim, nasça de mim
O Salvador do universo
Faça-se em mim a palavra
Do eterno, faça-se
Em mim novo princípio
Em mim faça-se a luz

Em meu seio, feitor de tudo
Terás digno berço, sacrário
Do Deus vivo serei eu
Digo sim aos desejos
Do altíssimo, melhores
São eles que os meus

Oh, insondável mistério
Que em mim se fez mais
Do que esperei, nasceu
De mim um filho, de Deus
Cumpriu-se o desejo
E o meu, sou virgem e mãe

Mãe do Verbo sou, em mim
Em meu ventre Deus veio
Habitar e criar para si
Novo paraíso, santo lugar
Para por o homem, por Cristo
Refeito, desfeito o defeito

Faça-se em mim a luz
Nasça de mim o Verbo
Darei à luz o Cristo
O mesmo que fez a luz
E todo resto, tudo e a mim
E a mim fez Sua mãe