quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A Escravidão da Verdade

A temática de hoje talvez assuste o leitor. O que devo dizer aqui hoje quer impor-me uma necessidade de omissão vestida de prudência, mas Deus me diz o exato contrário; um profeta nunca se arrisca, porque sabe quem é o Deus que o protege. Em outras palavras, a denúncia do erro, que faz parte da profecia, pode atrair ameaças, e mesmo a morte, mas não é arriscar a vida, porque o Deus que protege o profeta é vencedor contra a conseqüência mais grave da incompreensão dos ouvintes, e por isso o martírio é tão glorioso. Eis o que o Senhor me ordena: "Prega a palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir. Clama em alta voz, sem constrangimento; faze soar a tua voz como a corneta. Denuncia a meu povo suas faltas, e à casa de Jacó seus pecados" (II Tm 4, 2; Is 58, 1).
O escravo é aquele que é submetido a uma regra rígida de comportamento, que lhe impõe explicitamente o que deve e o que não deve fazer, com punições à desobediência e nenhuma recompensa à obediência. Assim é a "liberdade" dos nossos dias. A sujeição à permissividade moral (imoral?) é como uma autonomia de consciência, enquanto seus adeptos se reduzem a relações mútuas superficiais, baseadas quase que exclusivamente, mas sempre essencialmente, em realidades que não caracterizam o "homem sábio", e assim as relações humanas são descaracterizadas e lhe são retiradas do fundamento características essencialmente humanas, que ultrapassam a superficialidade do prazer.
Observe os relacionamentos de hoje, quase sempre descompromissados, nascidos de uma experiência de puro prazer, sem levar em consideração, pelo menos inicialmente, o ser, mas apenas o que pode ser oferecido materialmente aos "interessados". Não quero aqui gerar discussões a respeito da dignidade das pessoas que vivem assim, mas meu objetivo aqui é anterior a isso. Hoje a maioria dos relacionamentos nascem no prazer, tomado isoladamente e como objetivo principal. Seria coerente fazer uma construção sobre um terreno temporariamente estável? Evidentemente não, como vimos em Santa Catarina, onde cerca de 60% das áreas atingidas pelos desastres recentes não são mais habitáveis. É certo que aquelas pessoas, se soubessem que tudo isso aconteceria, não teriam construído ali. Fundamentar relacionamentos sobre o prazer é a mesma coisa. Prazeres nem sempre podem ser satisfeitos, e essa possibilidade não é permanente. Relacionamentos são assim, e mesmo que se desenvolva um sentido de mútua doação e serviço, são árvores com raízes rasas. Um exemplo simples far-nos-á entender. "Raízes rasas representam melhor regiões com estação seca curta, e raízes profundas favorecem a modelagem de regiões com estação seca mais pronunciada."* A metáfora é simples. Prazeres "materiais" diminuem com o tempo até que cessem, e cessará também, naturalmente, tudo o que no prazer se fundamenta.
Quis intitular este texto de "Escravidão da Verdade" exatamente porque essa liberalidade é falsa e retira a dignidade do ser humano que vive assim; a verdade, porém, "aprisiona" homens e mulheres nos limites próprios da condição humana, sem excessos ou excessões. Não há prêmio para quem obedece às regras de ser gente, mas as punições são severas: as naturais conseqüências de uma luta contra a própria natureza, isto é, a auto destruição física e moral.

* Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Refinamento da Representação de Raízes no Modelo de Biosfera SiB2 em Área de Floresta na Amazônia