terça-feira, 30 de outubro de 2007

Olhando de outro jeito

Estou ainda aprendendo a silenciar, a aquietar os sentidos para estar com Deus. Preciso agora iniciar outro caminho, paralelo a esse, e andar por vias até agora desconhecidas. O silêncio é necessário, mas é caminho, e não resposta. Daí a necessidade desse caminho paralelo, para domar esse silêncio, de modo que não se transforme em indiferença nem alimente uma intolerância contra os outros.
Minha mãe costuma dizer que tudo em excesso faz mal, e o silêncio deve ser considerado assim também, principalmente quando não se tem consciência do seu real significado e sentido. O silêncio não pode ser, em nenhuma circunstância, um mecanismo de defesa; o silêncio não pode ser como uma trincheira, mas deve servir para medir melhor nossas ações e palavras.
Silenciar não pode ser um ato covarde diante de uma situação que nos amedronta, ou de uma fragilidade que tememos que seja vista pelo outro. Quando bem medido, o silêncio é um meio maravilhoso para encontrar-se consigo mesmo e perceber com mais facilidade e clareza os próprios erros e fraquezas, e a melhor forma de lidar com tudo isso; não pode ser alimento para o orgulho. É bom saber demorar a resposta; respostas rápidas demais tendem a ser equivocadas. Silenciar é analisar a vida, e não escondê-la dos outros.
Preciso aprender a medir meu silêncio, e a fazer dele instrumento de trabalho, e não cama de descanso. Silenciando demais me esqueço de viver; silenciando pouco, me esqueço de sonhar.
Preciso saber falar, saber calar, saber viver.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Diferenças

É difícil viver no mundo e conviver com diferenças que agridem. Às vezes eu queria ter o poder de modificar as pessoas e torná-las instantaneamente santas, mas não posso mudar a realidade assim, preciso aprender a conviver com aquilo que me incomoda e provocar mudanças aos poucos. Não posso exigir que o outro viva de acordo com as opções que fiz para viver como vivo, como se o fato de aquele não seguir os preceitos que escolhi fosse sempre um erro. Minha vida não é molde para a vida dos outros e as opções que eu faço não se impõe às pessoas com as quais me relaciono. É uma simples questão de respeito, e não de omissão diante do outro e daquilo que ele faz que é contrário aos valores que escolhi. A pregação de Jesus nunca foi uma imposição de valores, mas sempre uma proposta que colocava em evidência a liberdade daquele a quem Ele se dirigia, e assim deve ser a minha pregação também.
Há uma frase que gosto muito que diz assim: "Sempre que estive entre os homens menos homem voltei" (1). Nisso muitos entendem um desejo de fuga, mas permita-me interpretá-la de outra forma. O mundo tem o terrível costume de se esconder por trás de personagens, alegres e trágicos, e o convívio com pessoas assim é para mim um risco constante de querer ocultar o que sou para ser aceito por um determinado grupo. Importa que não me deixe levar pelo discurso das máscaras, para que minha identidade não se perca. Assim, aquela frase não é uma reflexão pessimista diante de uma realidade, mas é um alerta para que eu não esqueça quem eu sou. "Sempre que estive com Deus mais homem voltei". Essa deve ser minha reflexão a cada dia, e é isso que deve inspirar em mim o desejo de ser mais eu mesmo a cada dia, com Deus. Dizia Santo Agostinho: "Deus é mais eu mesmo do que eu mesmo sou eu mesmo". Que seja assim, não eu, mas Cristo vivendo em mim (2).

(1) Sêneca, Epist. 7
(2) cf. Gl 2, 20

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Do silêncio ao Silêncio

Nunca falei muito, e por muito tempo não falei
Há muito me calei, e há outro muito me escondi
Por muito tempo vivi sem falar, calado e mudo
Há pouco tempo as primeiras palavras saíram, doídas
Mais uma vez me calei, mas não de todo, e só um pouco falei
Não havia muito a dizer; dentro de caixas livros não servem pra nada
De novo me escondi, para ler em mim os livros que guardei
Deu trabalho. Abri as caixas, tirei a poeira, comecei a ler
Quis parar, mas de tentar não desisti, e meio sem querer continuei
Eram livros grandes de letras miúdas, de frases confusas
Com os olhos cansados quis dormir, mas de tentar não desisti
De tudo que eu lia muita coisa eu já sabia, e não sabia
Eram lembranças, passados, presentes, vidas, amigos
Ali eu me entreti e não quis mais parar, me forcei continuar
E nas palavras que li um outro silêncio eu encontrei.
Continuei calado, pensando cada palavra que li, cada letra que vi
E já cansado, depois de ler tantos livros, fui dormir
Vivi de novo o que morreu, e as lições passadas se fizeram novas
Acordei, me levantei, e vi a vida de outro jeito
E as palavras que temia, das quais fugia, faziam agora parte de mim
Palavras que me recordam quem eu sou
Que me mostram a vida em pequenos pedaços de papel
Palavras que são ditas e passam, uma a uma, por meus ouvidos
E deixam em mim um pequenino desejo de ouvi-las de novo
E criam em mim um grande desejo de novas ouvir
Lembrei-me de Cristo, que pouco falava com sábias palavras
Lembrei-me de Cristo, que muito falava com poucas palavras
Sigo o exemplo de meu mestre, que sabe dizer o desejo dos corações
Sigo a Jesus, que sabe falar o que as almas precisam ouvir
Que sabe silenciar e num olhar tudo dizer
Que sabe falar e com uma palavra tudo criar
Diante Dele me calei, e nada mais eu quis dizer
Num olhar eu pedi que Ele falasse por mim
As mesmas palavras que precisava ouvir
Me deu o dom de escrever e dizer pobres palavras
Que encerram em si o que Ele me diz
E assim, silenciando, a falar eu aprendi.

"Só peço a Deus que a trama das palavras
Desperte nossas falas e nos ensine a escrever
Poemas que despertem
Resposta em que não sabe responder"
(Pe. Fábio de Melo, scj., Aventurando)