sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Inconveniências

Nós e nossas inconveniências. É sempre estranho nosso comportamento, escolhas aparentemente simples e livres que escondem dramas profundos que insistimos em guardar num segredo que transforma em ofensa e agressão a menor insinuação de preocupação em querer saber o que seja. E nossa defesa é assim confusa, cheia de argumentos e descrições que quase não terminam - e não terminam -, justificativas infindáveis que nos protegem em nossa zona de conforto.

Deve ter notado (espero) que falo em primeira pessoa. É que não posso furtar-me à evidência de que sou humano, como todos sujeito a essa gravidade moral, ao peso de minhas inconveniências. A desculpa? Sou ruim demais para ser conhecido assim, prefiro meus enfeites. Ah, suave glória dos elogios fáceis! Deleite inefável das farsas, do engano, dos defeitos pintados de branco, das virtudes luminosas, ostentadas em tronos de ouro!

Mal sabemos nós que não há nada escondido que não venha a ser conhecido (cf. Mt 10, 26). Melhor render-nos à verdade, render-nos à gravidade e desistir flutuar acima dela. Não nos constrangem aqueles que tiveram a coragem de fazê-lo? Não nos parecem eles melhores do que nós? E nós, por que nos detemos? É que já subimos alto demais, já somos tão diferentes do que somos! Custa-nos tanto a verdade, pesa-nos tanto a leveza da verdade!

Eis uma consideração digna de nota: a misericórdia é a virtude dos miseráveis. Parece-te escandaloso isso? Vê que não, pois que Deus, a quem por excelência pertence essa virtude, não possui nada senão a si mesmo e ainda se dá inteiro num incessante movimento de vazão, vazio que faz de si na direção de outro, sempre. Eis o Cristo, portanto, encarnado assim, fazendo-se pequeno, reconhecido como homem e diminuído ainda mais, humilhado, crucificado e, por isso, exaltado, reconhecido como Deus (cf. Fl 2, 5, 11). Daí o pensamento de Santo Agostinho, sempre oportuno, sempre desconcertante: “Ele não quis que se afastassem muito, contando com suas próprias forças; ao contrário, que se sentissem fracos ao ver a seus pés a divindade tornada fraca, porque participante de nossa veste carnal; e que, fatigados, se apoiassem na divindade, para que ela, erguendo-se, os exaltasse.” (Santo Agostinho. Confissões, Livro VII, cap. 18, 24)

P.S.: às vezes, generalizações são um incômodo oportuno