quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Glória a Deus nas alturas

Glória a Deus nas alturas
E paz ao homem na terra,
Ao menino hoje nascido.
Eis a glória do homem
Luz clara que as trevas
Não puderam vencer
Eis o cordeiro de Deus
Recém nascido em Belém
E já no altar colocado
Eis o Cristo de Deus
O Verbo que a tudo criou
Agora criado e nascido.
O eterno torna-se tempo
E o tempo em eternidade
Mistério incompreensível:
Das três pessoas divinas
Uma tomou nossa carne
Para nos fazer conhecer
De Deus a intimidade
Deus é agora menino
Homem tornado divino
Frágil e inofensivo
Deixando se aproximar
O homem, agora sem medo
Eis a glória de Deus
Lá nas alturas do céu
E cá embaixo, na terra
Paz a todo homem
Que dele se achega:
Homens de boa vontade

sábado, 8 de dezembro de 2012

Onde te escondes

Amor, onde te escondes?
Aonde foste que não te vejo
Que não te sinto aqui
Neste lugar que quisera
Fosse teu, minha alma?
Onde te escondeste?
Vejo-te longe, fora
de mim, noutra parte
Saio a procurar-te
E assim te tenho
Mas não posso possuir-te
E posso tocar-te, ver-te
Fora de mim e eu aí
Fora de mim, onde estás
E podes estar aqui
Dentro de mim
Escondido aqui

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Quase Natal

É quase Natal. A esperança aparece discretamente nos cantos de todos os lugares (ou quase todos). Há esperança lá onde costuma prevalecer o medo, a amargura, a ansiedade e as tantas preocupações que nossa modernidade nos impõe. Mas ainda é quase Natal. A esperança torna-se infinita, desobediente, alargada pelos desejos rasos que são ventilados como se foram justos, verdadeiros, duradouros. É quase Natal. Apenas quase. Temo que fique assim, como há tanto tempo está, simples repetição dos mesmos dizeres de sempre, desejos repetidos, sonhos repetidos, ilusões repetidas e, então, é Natal. Mas ainda é quase Natal, apenas quase, esperança infinita, apenas, apenas esperança. Nossos olhares miram alto enquanto cantamos, entusiasmados e vestidos de branco esperamos a próxima troca de calendário.

Então, é (quase) Natal, e o que você fez? Esqueceu-se do motivo do Natal, provavelmente. É estranho como nossa "modernidade" quer esquecer seus próprios motivos cristãos enquanto nega a cristandade, seus próprios princípios religiosos, numa auto-implosão (in)consciente. E ainda é quase Natal. Por quanto tempo ainda será quase Natal? Exilamos o Cristo no passado e num futuro que não chega, enquanto penamos em esperanças falíveis e sonhos etéreos de felicidades consumíveis. Será sempre quase Natal?

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Ave, mãe pura


Ave, mãe pura de Cristo
E minha, ave puríssima
Mãe do verbo e da graça
Largo aqueduto, de Cristo
Primeiro berço, sacrário
E templo de Deus, mãe
Do verbo e minha, rainha
Senhora do céu e do meu
Coração proteção, guarda
Constante dos tantos amigos
De Cristo, teus filhos, de mim
Pequeno, teu filho tão fraco
Mãe a quem rezo em silêncio,
Que do silêncio é exemplo
Ave, mãe pura de meu coração
Que do meu coração quis fazer
Também berço do Cristo, silêncio
Teu em mim, segredo de luz
De fé, teu colo onde encontro
Descanso e meu Cristo Jesus

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Tanto tempo

Tanto tempo e nem parece tanto tempo,
tempo que para, saudade-rio que corre
e sempre nova se torna como se fora
hoje sua nascente, nascente crescente
corrente, passagem que espera também
a mim, destino comum de todo mortal
morte que mostra a minha me recorda
o tempo finito que tenho, tempo que
não tenho, que espero findar-se enfim
no fim de mim, saudade-rio que enfim
morrerá, desaguará em Deus, meu Céu

domingo, 4 de novembro de 2012

Quem poderia

Quem poderia jamais merecer
alcançar e tocar os teus pés?
Quem poderia jamais conceber
que sem merecer poderia
tocar o teu coração?
Quem poderia jamais desejar
e pedir este tão grande dom
de poder te tocar, comungar?
Impossível seria se tu
não o fizesses possível,
se não te abaixasses até
nossos pés e te fizesses visível.
Impossível seria se tu
não merecesses que mesmo
o mais miserável dependesse
de tua benevolência.
Impossível seria se tu
não o quisesses,
mas assim o quiseste,
assim o fizeste,
fizeste-nos poder merecer.
Merecemos quando em silêncio
nos aproximamos,
caladas as vozes
do mal e do erro,
do desejo soberbo
e do medo orgulhoso.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Meu céu

Meu céu é outro
Diverso deste que vejo
Outra face, verso
do que vejo, avesso
do mal que sinto, vejo
em mim, no mundo, vejo
pouco, vejo mal, o mal
em mim primeiro
fiquei cego, para mim
para o mundo e o outro
outro que vejo assim
preconceito arraigado
preso em mim, peso
preço que pago de mim
por mim, minha culpa
fecho os olhos, cego
já sou, prefiro assim
dispo-me do desejo
vontade de ver
de ser eu melhor
o melhor, melhor assim
cego vejo outro céu
além de mim, do azul
do céu que vejo, quando
vejo, cego vejo o meu
céu de outro Eu maior
que eu, eu vestido
de luz, envolvido
Deus que é de mim
mais íntimo que eu
mesmo, mesmo assim

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Ave

Ave, canta minh'alma
tentando encontrar um canto
recanto silêncio onde possa
repousar os medos, desvios
de olhar, o olhar baixo
constrangido

Ave, faço silêncio
canto meu, refúgio
coração imaculado
que não tenho, tenho-o
ferido, maculado, quase
morto

Ave, pequeno choro
canto, prece, pedido
pedido de ajuda, silêncio
que aprende num outro
mais puro, puro, santo
Maria

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Chove

Chove. Eu e minha casa de papel desfeitos, fugidos, caçando abrigo contra a água e o preconceito, olhares mal feitos, defeito em epidemia. Aonde vou, eu sem minha casa, sem minha vida, vida em desabrigo? Morro entre desconhecidos, invisível, temido, esquecido. Onde vivo, onde morro, na rua, nas praças, não tenho minha casa, não mais, o papelão molhado se perdeu perdendo-me também, infortúnio previsível que não pude evitar e fugia de mim quem poderia, mundo ameaçado por minha pobreza, vida em desabrigo, em desalento.

O que posso fazer? São todos melhores do que eu os que vivem em casas que não caem, os que se cobrem no frio, os que de dentro de seus carros me veem como se eu fosse paisagem e meu desalento um acidente, acaso inevitável que preferem ignorar.

Fico em silêncio enquanto tento salvar umas folhas de papelão molhado na esperança de reconstruir meu abrigo. Sei que a nova casa só sobreviverá até a próxima chuva e se repetirá minha sina enquanto eu viver, enquanto viver só quem não me vê. Não tenho culpa de viver assim e a ninguém tampouco culpo, faço silêncio enquanto tento sobreviver. Não tenho muito tempo.

domingo, 16 de setembro de 2012

Racionalidades


Não me importa ser acreditado
Incauto por crer no que creem
Irracional, infértil razão
Que não soube crer na razão
Que só soube ver o que vê
E só crê no que sabe conhecer

Creem-me irracional, retardado
Por razão já superada, vencida
Pela razão prática, superficial
Do experimento, da constatação
Da ciência rasa das conclusões
Do raciocínio, proto-racionalidade

Creem-me ingênuo, resignado
A padrões ultrapassados, moralidade
Há muito deixada no passado
Regras que serviam outros tempos
Já não servem à nossa modernidade
Conhecer-me-ia reinventando-me

Mas não me importa a condenação
Rápida de quem só vê a superfície
Importa-me a verdade que creio
A razão alargada pela fé-esperança
Que tenho em minha natureza
E numa outra que assumiu a minha

Tornou-se divina a humanidade
Ao tornar-se humana a divindade
Fazendo-me crer no que poderia
Ser mera imagem da imaginação
Tomando para si a minha condição
Tornando a morte em redenção

Creio-me agraciado, felicitado
Por mérito que não é meu
Ao ver a lei que dantes oprimia
Tornar-se apoio à frágil natureza
Ferida pela própria altivez
Que contraria a própria natureza

Creio-me vencido por uma razão
Mais racional que a minha, pura
Conhecedora de profundidades
Que minha racionalidade não pode
Nem poderia alcançar sozinha
Assim conheço-me como sou conhecido

Conhece-me a divina razão, o amor
O divino motivo de crer e viver
Como vivo e creio, assim creio
Que não pode ser irracional a razão
Que se faz humilde e crê em Deus
Que a tudo supera e conhece melhor

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O que vi


Não sei o que vi
Não vi o que sei, se senti
Se pensei o que desejei
A verdade que logo passou
Desapareceu quanto tentei
Tocá-la, alcançá-la
Qual miragem enganou-me
A visão, ilusão que criei
Do deleite tão necessário
Esperado, riqueza que então
Me saciaria, para sempre,
Eu pensava, acreditei
Enganei a mim mesmo
Minha razão eu traí
Inventando mentiras
Inventadas verdades
Que me saciariam
Mal que não vi
Do qual suspeitei
E ignorei o perigo
O risco que fingi ser
Pequeno, desprezível
Risco que não era
Nem seria jamais
Mera possibilidade
Era realidade, destino
Certo, previsível
Que não previ
Razão que traí
Não pensei, só senti
E deixei-me sentir
Deixei-me tocar
Pelo mal que toquei
Me perdi ao perder
O bem que troquei
Pelo bem que inventei
Mal disfarçado de mim

sábado, 25 de agosto de 2012

Amo-vos

Amo-vos, Deus, Cristo Jesus
E dou-vos por isso meu coração
Criado por vós para que eu, pecador
Vo-Lo desse imitando o amor
Que demonstrais em quererdes viver
Entre nós, como nós, em igual condição
Livre da culpa mas debaixo da pena
Que por nossa culpa a nós oprimia
Nossa morte, nossa máxima culpa,
Livre escolha de nossa vontade
Entorpecida por soberba infinita

Amo-vos, Deus, Cristo Jesus
E dou-vos por isso meu coração
Humilde presente de minha pobreza
Máxima riqueza que posso ofertar
Em troca do amor que de Vós recebi
Que em Vós conheci ao ver-vos assim
Vivendo a morte que livremente escolhi
Dando-me a vida que eu mesmo não quis
Vencendo a morte que me apartava de Vós
Quisestes-me Vós, a mim, traidor
Hoje quero-Vos eu, a Vós, redentor

Amo-vos, Deus, Cristo Jesus
E dou-vos por isso meu coração
Porque livremente o Vosso me destes
E a mim Vós quisestes sem preço
Entregar-vos inteiro e ao meu coração
Restaurastes abrindo o Céu para mim
Descendo de lá para fazer-me subir
Da morte salvando-me, a mim, pecador
Deus feito filho de pobre mulher
As riquezas divinas do céu nos trazeis
E em Vossa morte a nossa em vida tornais

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Deus semper maius

Cansei-me do óbvio e evidente
Porque quereria eu mapas novos
De lugar já bem conhecido?
Quero ir a lugar pouco explorado
Não quero mapas, quero passos
Quero andar por onde não conheço
As trilhas e os obstáculos
Quero a novidade da dúvida
Da ignorância douta que sabe
Que não sabe muito, sabe andar
E isso basta, conhece a voz,
E isso basta, que chama e diz
Atrás de mim por onde devo ir
Indicando o caminho que devo seguir
Não quero o óbvio, quero o Senhor
Deus sempre maior que transcende
O que penso e o que posso pensar
O que Dele conheço não é ainda
Meu sumo destino, é caminho
Caminho nunca findo, é eterno
Por isso não pode ser óbvio
É sempre desconhecido e eu, cego
Apenas escuto a voz que orienta
A voz de meu Deus que me faz
Ver além do que vejo, o que vejo
Me escurece a razão mas a luz
Que percebo acende-se em mim
Em meu coração, vejo meu Deus
À minha frente e atrás de mim
Em toda parte, em partes sempre
Menores que o todo, partes
Que fazem-me querer mais
Sempre mais além do que tenho
Além do óbvio que todos já
Viram, meu Deus sempre maior

domingo, 29 de julho de 2012

Motivos

Este é mais um texto sem motivo nobre. Motiva-me a tardança, o silêncio que resolvi quebrar de improviso forçando passagem entre tantas hesitações involuntárias. Obrigo-me ao desconforto das artificialidades e da potencial superficialidade de palavras escritas sem motivo [aparente ou sensível]. Sinto-me assim, traído por motivos rasos e pouco nobres que descobrem razões mais profundas somente depois da decepção e do açoite cruel da vaidade e da fraqueza que prevaleceu. Quis sair de mim e tornar público mais um pouco de mim mesmo sem saber como, sem ter o que dizer.

Eu, no entanto, duvido que seja de fato sem motivo o que escrevo; escrevo, talvez, para descobrir motivos fazendo o caminho inverso, derramando o que guardo em meu peito até que, vazio, eu possa ver o que no fundo estava oculto e coberto por tudo o que quero deixar por aqui. Ouso duvidar de mim, invento a dúvida mas não a sinto, meu pensamento é forja onde faço contradições de metal fundido, minhas ferramentas preferidas.

Escrever é sempre oportuno, sobretudo quando faltam motivos, atrativos, pedidos ou obrigações. Assim escrevo a partir do vazio e sobre o vazio, hoje é meu primeiro dia, ressurreição. Tudo o que tenho são passados nas mãos, com eles me forjo e me invento, me faço e refaço, desfaço-me dos excessos deixando-os aqui com um pouco mais além das sobras, dobras que antes não via, o que havia debaixo de tudo o que escondia o motivo que agora deixo também aqui.

Meu motivo? A insegurança, a incerteza, a dúvida, a contradição, a provocação, o pensamento, a inércia vencida, o movimento forçado, um leitor que porventura seja alcançado e desafiado a sair do comum, do silêncio inerte e infértil da espera de uma inspiração [que pode não vir].

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Entendi

Entendi um pouco de Teu amor
Sem entendê-lo, no entanto
Vi um pouco sem poder ver
De Teu amor a luz, de Tua luz
O brilho mais claro
Que o da mais clara luz
Que posso ver, entendi
Sem entender, certeza escondida
E disfarçada, mistério que se deixa
Conhecer sem mostrar-se inteiro
Véu que, retirado, não descobre,
Luz que ilumina a sombra
Sem desfazê-la, sem dissolvê-la
Brilho oculto e voz que não se ouve
Grito mudo que ressoa
Em toda parte e em meu íntimo
Em segredo e sem segredos
Deixando-me cego e surdo
Ao fazer-me ouvir e ver
Sua voz, Sua luz, Seu Coração

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Sacrifício

Nada daquilo que deixais
Para trás por mim perdeis
Senão aquilo em que prendeis
O vosso coração olhando atrás
O resto é ofertório
Sacrifício voluntário
Do que não faz falta
Do que não serve para sempre
Do que não dura nem pode
Perdurar sequer por tanto tempo
Quanto dura vossa vida
Do que perdestes, porém, podeis
Ainda fazer-me oferta
Se quiserdes, se ainda quiserdes
Liberdade de verdade

Sacrifícios não tem tempo
Nem horário marcado,
A possibilidade não prescreve
Se ainda tendes tempo
Se ainda viveis, ainda viveis
Hoje, talvez não amanhã
Quanto a mim, ainda espero
Ainda quero vosso coração
Prefiro a misericórdia
A qualquer sacrifício
Por isso prefiro este
Que salva vossa vida
Unindo vossa vida ao sacrifício
Que fiz de mim para salvar
Para sempre a vossa vida

terça-feira, 22 de maio de 2012

Encontro

Encontrei Jesus num coração amigo, num olhar que encontrou o meu sem preconceitos, num abraço que me acolheu e me recordou quem sou. Meu coração carecia de cuidados, cuidados de minhas mãos e do amor que já não me alcançava, que eu já não percebia, tal era a cegueira que me roubava a razão. Aquele olhar fez-me sair de mim, aquelas lágrimas me fizeram chorar também, chorar dores que não eram minhas, colocá-las em meu coração, sentir compaixão como Jesus sentia, estender a mão e derramar meu coração, minha vida, como meu Jesus fazia.

Aquele olhar iluminou meu coração, aquele abraço pôde fazer-me sair de mim, aquela voz alcançou meus ouvidos e fez a voz de Deus alcançar minha alma e romper a surdez que minhas faltas causaram. Naquele encontro encontrou-me o Senhor, pude vê-Lo de perto, olhar nos Seus olhos, ouvir Sua voz mandando-me amar e me mandando ofertar minha vida, meu tempo, meu coração, minha voz a todos quantos se aproximam de mim, a todos quantos querem aproximar-se de Deus.

Sou ponte, por vocação e arte, assim chamou-me o Senhor. Apontar o céu é minha missão, oferecer degraus a quem quer subir também, conselhos quando posso aos que seguem perto ou não tão perto de mim. Ofereço o que sou, oferto o que tenho, tudo está posto no altar do Senhor, sou inteiro sacrifício, feito sagrado pelo Sangue que me consagrou, pelas mãos que para si me tomaram para fazer-me instrumento de Seu Amor, da restauração que Ele quer operar por minhas mãos, por meu coração, que Ele tomou para Si. Eu apenas disse sim ao chamado que Ele me fez, escolha feliz que não deixa vazio o meu coração e conserva meus olhos sempre voltados na mesma direção e assim os meus passos desviar-se não podem mesmo se pedras me fazem cair.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Miserere

Vejo olhares, vejo lágrimas sulcando almas, rios que nascem e secam e nascem sem termo, dores pulsantes, nascentes permanentes, contaminadas e contaminantes, murmúrio que ecoa e ressoa de um lado ao outro do mundo. Ouço e vejo lágrimas, ícone fúnebre do que vejo sentido e vejo latente no coração de outro, de outros, de tantos que passam, de tantos que ficam, de tantos que não querem passar. Vejo lamentos, ouço sorrisos tristes que tentam esconder o medo, a esperança frustrada de um final diferente do presente, coração humano, vale de sangue regado de lágrimas, montes, planícies, depressões, gritos contínuos vindos de todos os lados, lamento constante de almas que choram, pobres sempre presentes em toda parte, silêncio ausente aos ouvidos que querem ouvir, dor que se faz presente aos que não se aproximam indiferentes.

Vale mais que a vida a possibilidade de fazer a pena valer mais que lágrimas que caem em solo infértil, fazer valer a pena mais que um lamento, que um murmúrio incompreendido, que um grito que parece surdo aos passantes moucos, voluntariamente loucos. Trago comigo as lagrimas, os gritos que ecoam também dentro de mim, trago comigo as paisagens que vi como se foram elas cenário também meu, mesmo pisando meus pés em lugares diversos, e trago em meus olhos as mesmas nascentes que vejo, em minha alma sulcos abertos por lágrimas que não são minhas.

Encarnou-se o Verbo e tomou para si as misérias da carne que tomou para si, trouxe em seus olhos lágrimas que antes não tinha, choro sempre às portas por causa das dores que via, dos lamentos que ouvia por toda parte, estendeu a mão e ofereceu o coração aos que o tinham quase morto e morreu para dar-lhes vida e viveu além da morte que escolheu. A ele sigo e trago comigo seu coração enquanto morre o meu das dores que sinto dos outros que também morrem. Vive o Cristo onde morre o homem, vive o Cristo em mim quando morro e vivo nele, quando O vejo nos que padecem e me encontro neles e O encontro neles chamando-me a amá-Lo mais, a amá-Lo com toda a vida do meu coração.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O amor

O amor me constrange a dar mais do que tenho, dar mais do que posso e posso dar tudo que tenho e mais do que poderia. O amor ultrapassa toda medida e se multiplica em fazer-se menor, doando-se sempre e dividindo-se em partes que sempre contém o todo, dividindo-se multiplica-se e nunca se torna pequeno, é sempre o mesmo, imutável, estável. O amor me constrange a dar sempre mais do que posso, a dar amor mais do que tenho, meu amor pequeno feito dom junto ao amor do Senhor. O amor me constrange a dar sempre mais do que vejo que tenho, a descobrir dentro de mim novas riquezas, antigos tesouros e dons que serão ofertados a tantos quantos passarem por mim. O amor torna-me dom, torna oblação também meu coração, minha vida, minha decisão, o amor transforma-me em si, sou com ele um quando me esqueço de mim e lembro-me dele só, da oferta sempre maior do que poderia fazer. Sou amor no amor que doou-se por mim, sou dom, oferenda já posta no altar.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Sou frágil

Sou frágil, minhas forças poucas não me deixam caminhar por longas distâncias, minhas forças são poucas e as quedas são as pausas que tenho e me diminuem as forças enquanto aos poucos morro tentando chegar. Quisera fosse já o fim do caminho a luz que quero ver despontar quando eu despertar, quando me levantar e minha pausa acabar. Mas guardo comigo um pesar, um peso que aumenta a frequência das quedas, o medo, o fracasso que finge o sucesso diante dos outros, a força forjada à força de aplausos à virtude inventada, esconderijo do vício, do crime secreto, do mal encoberto por sorrisos e cantos, clamores e prantos de devoção. A hipocrisia transborda em meus lábios, cai de meus olhos, toma minha voz e canta belezas desconhecidas descritas por outros que conheci. Roubo louvores alheios, recolho em meu próprio celeiro o fruto que não produzi, fruto do esforço de outros, minha maldade, meu crime inconfessado. Creia-me quem me quiser ouvir e faça-me se puder um gesto de compaixão e graça e não deixe que passe, por caridade, meu tempo, se ainda há tempo, de recomeçar. Sou frágil e preciso de braços que sustentem meus braços em minha oração, preciso de vozes que rezem por mim, preciso de amigos que ouçam meus gritos e os ofereçam em prece a Jesus. A caridade me valerá muito mais que a necessidade que move minha própria oração. Seja-me o amparo de Cristo um abraço de amigo, um olhar compassivo, uma mão estendida por quem me encontra caído mesmo me vendo de pé. Creia-me se me confesso, se admito que caio, sou criminoso mais criminoso que um assassino ou ladrão. Quisera ter a sorte de encontrar minha morte ao lado de Cristo como aquele ladrão e conhecê-lo naquela hora e pedir-lhe perdão, mas já vi Sua morte, Sua ressurreição e ainda lhe nego entregar-lhe de todo o meu coração. Tenho só mais uma chance, um sacramento, assim quero crer, assim quero viver. Posso não reencontrar o perdão se de novo cair, pode acabar-se meu tempo e terminar o caminho sem ter chegado ao final, por se me terem esgotado as forças e não me ser mais possível chegar ao final. Que de hoje em diante as quedas não me sejam as pausas, que minhas pausas sejam o suave descanso que posso encontrar aos pés do Senhor. Seja-me o Sacramento Santíssimo de meu Amado Senhor meu perene viático, repouso, consolo, restauração.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Despedidas

Despedir-me, sina permanente, hábito forçado pelo próprio tempo e que não posso evitar. Despeço-me e espero deixar rastros e restos que sirvam para compôr histórias novas e que minha história seja parábola que ensine o bem. Sejam curtos ou longos meus dias, numerosos ou escassos meus anos, será parco meu contentamento, moderadas as minhas satisfações e mortificadas minhas vontades. Tempo sempre será pouco, dias sempre curtos, sempre poucos, anos sempre incertos. Escura é a estrada da vida, oculto sempre o destino, embora haja sempre um vislumbre falso do final que espero. Confesso, nada vejo e espero pouco mesmo sendo grande meu desejo por um final feliz. Não me contradigo dizendo que quero pouco quando quero apenas um final feliz, porque o muito não pode ser simples, excessos não fabricam felicidades duradouras.

Felicidade, aliás, não deveria ter plural, ela é simples, única, singular. É por ela que espero enquanto espero a chegada, enquanto meus passos aguardam o último passo, enquanto temo ser este passo o derradeiro. Há vislumbres falsos do final que espero, mas a promessa na qual espero, a Palavra que meu Jesus deixou me basta para negar-lhes minha atenção. Ando pela fé, não pela clara visão. Mas tenho medo de chegar, de despedir-me, de deixar atrás quem eu quisera viesse comigo, de deixar que cheguem novos amigos e logo despedir-me deles, tenho medo de deixar-me para trás, de encontrar um outro eu em outra parte, mas destarte encontrarei a mim mesmo, deixando atrás meu antigo eu, meu coração que não conhecia a noite embora fossem noite os meus dias todos.

Já é aurora, é chegado meu último dia. Despedi-me de poucos, de ninguém, talvez, mas deixo aqui um último adeus àqueles que deixo atrás de mim. Precedo-os no céu, é o que espero, é o que quero, e sinceramente espero desde já que minha vida seja parábola que lhes aponte o reino de meu Cristo que já me espera às portas do Céu, chamando-me, olhando pra mim, pedindo que eu parta, que não demore, porque a saudade lhe rasga o peito, porque chegou-me o tempo de secar as lágrimas, de descansar o corpo, de fechar os olhos e na eternidade abri-los, naquele dia sem fim.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Doce Jesus

Meu Jesus, meu doce Jesus, porque escolheste morrer? Porque te rendeste aos planos malvados daqueles que te perseguiam? Porque escolheste a morte em vez da vida como fizeste outrora, naquela hora em que fugiste dos que queriam tirar-te a vida (cf. Jo 10, 39)? Porque a traição foi teu momento derradeiro? Porque no abandono escolheste abraçar a morte, meu Jesus, meu doce Jesus?

Vejo-te ferido, desfigurado, em silêncio te deixas levar ao matadouro, ao lugar de execução dos criminosos para te juntares a eles. Do alto da cruz perdoaste-nos os pecados e livraste-nos da culpa de nossos crimes, não sabíamos o que fazíamos. Foi então que entendi teu motivo, encontrei a simples resposta às minhas tantas perguntas.

Meu Jesus, meu doce Jesus, escolheste o abandono, para que aqueles que no fim se achassem sós então te encontrassem. Escolheste morrer para ter escondida na morte a tua vida, para que aqueles que buscam a morte te encontrassem em seu lugar e não morressem. Foste feito pecado (cf. 2Cor 5, 21), para que aqueles que abraçam o pecado te abraçassem em seu lugar e se salvassem.

Estranha bondade encontro eu em teu coração, meu Jesus, meu doce Jesus. Desfazem-se meus anseios, frustram-se minhas esperanças por uma misericórdia que supera todo desejo. Jamais encontro o que quero, jamais alcanço o que espero e frustra-se minha vontade, mas faz-se a tua, a eternidade transforma o tempo em suavidade e as penas em gozo e suave consolação. Transformas a culpa em causa de salvação, morres para na morte dares a vida àqueles que morrem e vivemos todos unidos a ti. Sei, não queres a morte do pecador, mas que ele volte e tenha a vida. (cf. Ez 33, 11)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Silêncio

Silêncios sempre motivam reflexões frutuosas (mesmo que nem todos concordem, creio que não minto nem me precipito em afirmar algo alheio à experimentação). Apesar de estar isento de culpa por este motivo, peço perdão a quem costuma ler o que escrevo, olhem com misericórdia para este pobre escritor que não tem tudo a dizer e gosta de falar pouco. Peço perdão, mas ofereço-lhes o fruto de meu silêncio culpulsório que, certamente, produziu frutos semelhantes em quem lê o que escrevo. Ouso dizer que o que direi aqui não será oferta de novidades descobertas ou criadas por mim, mas poderá ser um pouco de luz para que se vejam os frutos que se produziram aí, em vossos corações.

Quero falar da vaidade, talvez numa tentativa de comentar o que escrevi em outro lugar (leia aqui). Calar minha voz foi uma reação involuntária aos elogios que ouvia em razão da primeira publicação impressa de meus escritos. Movimentos involuntários, porém, podem também ser impulsos vitais, e creio que assim foi. Forçosamente (re)aprendi a apreciar minha condição artística, a sensibilidade que Deus quis conceder-me para realidades que me ultrapassam e misteriosamente me alcançam. Os elogios que ouvia, antes da dita publicação, me faziam sentir-me desconfortável, descobriam-me a timidez e me desconcertavam, mas nunca haviam perturbado minha alma como agora. Tudo o que via e ouvia que dizia respeito aos cantos de mim que não seriam mais restritos à minha intimidade me intimidava, me agredia, me fazia querer esconder aquilo mesmo que me fazia saber quem eu sou, o dom que Deus me deu para fazer-me conhecer a mim mesmo e a Ele nesse processo. A santificação que viria desse esforço seria o que transbordaria de meu coração para o próximo.

Ouvia elogios, mas nada eu podia apontar para Deus como verdadeiro destinatário daqueles louvores. Era a estética que prevalecia, a habilidade artística, este pobre que ora escreve. Deus nunca me ditou literalmente as palavras que escrevo, reconheço-o e confesso-o sem medo, mas creio firmemente que a capacidade de registrar o que toca e o que se passa em meu coração foi-me dada por Ele. Isto basta para que todo mérito seja a Ele referido. Por isso digo que "Não vejo mais o sorriso, o olhar agradecido a Deus pelo conselho encontrado ali nas palavras ditadas por Ele ao meu coração." Meu ministério perdera o sentido, as publicações tornaram-se despropositadas e inúteis, porque só alcançavam os olhos, não mais corações. Por isso calei-me, por isso "escolhi" o silêncio.

Se minha vida não glorifica o Senhor e se quem me conhece não o pode encontrar ao encontrar-se comigo, ao ler o que escrevo, ao encontrar o que digo, prefiro o exílio, o silêncio, a solidão, o anonimato.

Por isso rezo: "Senhor, que eu não me ocupe fazendo o que quero, mas só o que queres ocupe o meu pensamento."