segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Ele é

A fé é uma pergunta.
Estranhamente, talvez.
Saber é não saber
e o contrário verdade
estranha,
a segurança
é fracasso
e a incerteza,
correção.
Creio, sem saber,
e sei, por isso
mesmo, certo
do erro, espero
de outro correção,
Deus, verdade
de toda razão
e de todas vazio,
imensidão.
Pergunto,
sem resposta,
e um sinal,
certeza
paradoxal,
devolve-se-me
a pergunta e vou,
sem resposta
e sem caminho,
direção, digo sim
a Deus e vou,
sem pretensões
ou possibilidades
minhas, fracasso
mudado em êxito
se desisto de meus
meios, jeitos, erros,
sigo Jesus e creio,
pergunto, e ele É.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Repouso

Como repousar quando o presente parece trazer o contrário do que costumava ser a vontade de Deus? Percepção, ora segurança, ora engano, guiada que é por gostos e expectativas, por um instinto de auto-preservação e auto-indulgência. Pergunto: o que é a vontade de Deus? A resposta genérica ressoa nos lábios dos que ao menos conhecem um pouco da Palavra de Deus: nossa santidade. Dos meios, porém, de que essa vontade se serve tão pouco se cura! O que costumava ser a vontade de Deus às vezes se escurece, como que coberto por nuvens espessas, por trevas que parecem fazer fronteira com a pouca luz que resta onde pisamos. Iluminam-se nossos pés, nossos passos, mas raramente o caminho ou o destino, atrás ou adiante. Quando muito, pode-se vislumbrar num instante muito curto uma parte do caminho ou num relance uma parte ínfima do destino.

Como repousar quando o presente parece trazer o contrário do que costumava ser a vontade de Deus? Pela fé, mistério que nos faz capazes desse repouso, dessa segurança na tempestade da incerteza e da dúvida. Quando tudo à minha volta e até dentro de mim atesta a ausência de Deus, o caos, então minha alma repousa, então minha fé se desdobra em infinita certeza de que Deus está no controle, de que Ele é e está aqui. Repouso de meus esforços, de minha tendência a querer controlar quem sou, o que sou e o que faço e deixo tudo nas mãos de meu Deus. Dar-nos-á esse descanso e alívio aquele que é a própria verdade, que promete e não pode deixar de cumprir aquilo que promete.

Dito isso, o que farei? O desespero e a insegurança não terão mais lugar em meu coração. Pode o mar agitar-se e ameaçar minha vida, o que poderei temer se até mesmo o naufrágio poderá ser-me útil?

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Inconveniências

Nós e nossas inconveniências. É sempre estranho nosso comportamento, escolhas aparentemente simples e livres que escondem dramas profundos que insistimos em guardar num segredo que transforma em ofensa e agressão a menor insinuação de preocupação em querer saber o que seja. E nossa defesa é assim confusa, cheia de argumentos e descrições que quase não terminam - e não terminam -, justificativas infindáveis que nos protegem em nossa zona de conforto.

Deve ter notado (espero) que falo em primeira pessoa. É que não posso furtar-me à evidência de que sou humano, como todos sujeito a essa gravidade moral, ao peso de minhas inconveniências. A desculpa? Sou ruim demais para ser conhecido assim, prefiro meus enfeites. Ah, suave glória dos elogios fáceis! Deleite inefável das farsas, do engano, dos defeitos pintados de branco, das virtudes luminosas, ostentadas em tronos de ouro!

Mal sabemos nós que não há nada escondido que não venha a ser conhecido (cf. Mt 10, 26). Melhor render-nos à verdade, render-nos à gravidade e desistir flutuar acima dela. Não nos constrangem aqueles que tiveram a coragem de fazê-lo? Não nos parecem eles melhores do que nós? E nós, por que nos detemos? É que já subimos alto demais, já somos tão diferentes do que somos! Custa-nos tanto a verdade, pesa-nos tanto a leveza da verdade!

Eis uma consideração digna de nota: a misericórdia é a virtude dos miseráveis. Parece-te escandaloso isso? Vê que não, pois que Deus, a quem por excelência pertence essa virtude, não possui nada senão a si mesmo e ainda se dá inteiro num incessante movimento de vazão, vazio que faz de si na direção de outro, sempre. Eis o Cristo, portanto, encarnado assim, fazendo-se pequeno, reconhecido como homem e diminuído ainda mais, humilhado, crucificado e, por isso, exaltado, reconhecido como Deus (cf. Fl 2, 5, 11). Daí o pensamento de Santo Agostinho, sempre oportuno, sempre desconcertante: “Ele não quis que se afastassem muito, contando com suas próprias forças; ao contrário, que se sentissem fracos ao ver a seus pés a divindade tornada fraca, porque participante de nossa veste carnal; e que, fatigados, se apoiassem na divindade, para que ela, erguendo-se, os exaltasse.” (Santo Agostinho. Confissões, Livro VII, cap. 18, 24)

P.S.: às vezes, generalizações são um incômodo oportuno

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Apenas crer

Pudéssemos apenas crer
em Deus veramente e já
não haveria temor e tremor,
mas amor e nada mais

Andaríamos sempre seguros
sem temer inimigo algum,
sequer os teríamos, ama
a todos quem ama a Deus

Seríamos felizes sempre,
mesmo se lágrimas nos molham
o rosto em tempos difíceis,
mesmo se nada restar de pé

Felicidade não pode ser
medida por contentamentos
nem tampouco o gozo pode
ser razão de seu aumento

Pudéssemos apenas crer
em Cristo e no seu amor,
a dor não nos poderia ter
cativos de esperanças vãs

Seríamos então felizes,
veramente, sim, eternamente,
no gozo perfeito do amor
que não pode sucumbir à dor

Pudéssemos apenas amar e,
ah, quem nos faria sofrer?
Júbilo tudo então se tornaria,
já no tempo gozo eterno, Amém.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Experiência

Senhor, o que fizeste?
Andaste por estes caminhos
que ora piso e morreste
depois de tudo, final
inesperado por todos
que te viram viver
Mas deixaste seguidores
que te seguiram depois
de tudo como se foram
tu, eram eles teus passos

Sigo-os e outros atrás
de mim, sou agora tu,
teus passos, tua voz.
Mas como poderei sê-lo
se não te conhecer?
E como te conhecerão
se não virem a ti
em mim e não eu, Senhor?
Ouvindo-te falar e
tocando teus ensinamentos

Invejados os que choram,
são já felizes aqui
enquanto choram e depois
Invejados os que sofrem,
são felizes já agora
e depois e em todo tempo
Eu te ouço falar assim
e o que faço? Minha parte
é pô-lo em prática,
viver assim como tu

Como saberei se tudo
o que disseste é verdade,
se tudo que disseste
fez que fosses morto
pelos que te escutaram?
Saberei se abrir os olhos,
abaixar minha cabeça,
olhar o chão, calar a voz,
e não me permitir não
ser como tu em todo tempo

Saberei que é verdade
tudo isso que ensinaste
se não deixá-lo por um pouco
de alívio aos desafios,
se não me desviar do teu
ensinamento por um pouco
de contentamento, se eu
levar ao fim a experiência
de ser como tu em tudo,
se eu não desistir, só assim.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

In-atividade

Não faz muito tempo desde que cheguei aqui. Minha história... minha história ficará em silêncio hoje, falarei da que gostaria de ter, da qual o protagonista não sou eu, embora esteja lá, como um observador passivo (perdoem-me o pleonasmo) e silencioso.

[Mudanças bruscas de direção, narrativas quebradas, coesão propositalmente violada, gosto de tudo isso, por isso não coloquem a crítica acima da clemência e da atenção, por favor.]

Saí de um lugar inócuo, comum, lugar estranho ao destino que é hoje minha paragem. Naquele tempo, tempo de minhas partidas, nada do que hoje é possível caberia na imaginação de qualquer um dos habitantes daquele sítio, dos que se diziam amigos ou daqueles com os quais se tem vínculo civil e de sangue. Eu observava. A vida era feita dessa escolha passiva e fácil de fazer, era bom demandar pouco esforço de mim mesmo e seguir conselhos, assim assegurava-me minha irresponsabilidade e a insegurança culpável de uma submissão interpretada.

Donde me veio a ideia de narrar-lhes isto? Penso que seja necessário uma pausa, repensar os motivos, meus e os seus, imaginar um pouco mais. Talvez, se fosse possível colorir uma narração, meu ato ficasse mais interessante; talvez seja oportuno que ela seja descolorida e suas carências catalisem a vida que ganhará no destino que agora dou ao que digo.

Horizontes curtos. O clichê bem se aplicava à minha ambição. Minha vida movia-se a satisfações e compensações, bônus que eu mesmo me concedia por meus desmerecimentos. A paga injusta que me fazia fazia-me grande, inatingido, inviolado, guardado atrás de minha silenciosa observação.

A vida não depende de protagonistas. Ela é, passa, termina, inevitavelmente. Pode ser que ela seja interessante, mas se não for contada, que diferença faz? Penso que a narrativa, a escritura, este gesto potencialmente patético de acusar-me de irreverência e inatividade, creio que isto dê à vida aquilo de que carecia nos seus presentes já mortos. É celebração.

Sacrifícios sempre me pareceram frágeis e necessários. A descontinuidade era costurada por eles quais retalhos ajuntados por linhas imaginárias que fazem que pareçam úteis. O milagre se deu quando as linhas se concretizaram e seu tecido encravado na carne de minhas memórias revelou-me a coerência de todos momentos passados. Minha posição privilegiou-me com o que tenho hoje, minha escolha de não escolher permitiu-me escolher o que me valeu a vida.

Se quero comunicar-lhes algo? Não ouso dizer que sim. Se o faço, faço-o porque aqui me submeto a palavras, tinta que deixa descolorido o que encerra em traços indefinidos, rastros descontínuos que podem sempre ser retraçados por todos, indefinidamente.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Devedor

Respondendo à entrada de Jesus em sua casa, o cobrador de impostos Zaqueu promete sair de si mesmo, deixar o egoísmo e voltar-se à caridade, ao amor do próprio Jesus. O mandamento novo que seria pronunciado mais tarde por Cristo começa a figurar-se no coração daquele homem que descobre naquele encontro o caminho para a liberdade interior. O amor para ele, antes de Cristo, era um gosto por si mesmo, um excesso de zelo pelo próprio bem-estar que o fazia viver em detrimento do outro, o seu Eu estava sempre em primeiro plano.

Em nossos dias, os cobradores de amor não são diferentes. Querem que todos os amem, que a vida revolva ao seu redor, que todas as suas necessidades sejam satisfeitas, que seus protestos sejam ouvidos, que suas reivindicações aceitas. Querem tudo para si, vivem em função de si mesmos e defraudam a todos, amam-se a si mesmos e ao senhor dinheiro e seus bens, que mandam que vivam assim. Querem ser amados, mas não amam. Olhe em volta, não são poucos, e talvez você seja um deles. Vivem confortavelmente buscando seus próprios interesses, mesmo quando dizem amar e ignoram as necessidades dos outros, importam-se apenas com as próprias.

(Extrapolo na linguagem propositalmente. Aqui não cabe indulgência, mas a misericórdia precisa vir com o peso da correção e da advertência. Ventos brandos não movem veleiros.)

Meu amor é do outro, nunca é meu. O amor, quando não partilhado, apodrece e mata, converte-se em veneno e motivo de justa acusação e condenação. Meu amor não me pertence, pertence a meu próximo. Guardá-lo pra mim é roubá-lo e, se o faço, não sou diferente de um ladrão que priva da posse de um bem material quem o possui por direito. Creio que seria pior do que este, porque o amor é mais necessário do que qualquer bem ou posse material. O amor é remédio, alimento, caminho, sustentação e segurança. Quem quer privar-se do bem? Quem quer negar a si mesmo o amor? Por isso é mais fácil guardar que doar, tem-se medo de não receber. Mas o amor é estranho a essa lógica egoísta, nós só o conhecemos se não o prendemos, só o possuímos se abrimos nossas mãos e o ofertamos para quem quiser, a quem precisar, a todos. O amor cresce quando se dá, cresce quando não espera receber-se de volta, vive somente quando morre, multiplica-se quando é dividido e doado inteiro, sem reservas. O amor compromete, e quem quem tiver encontrado Jesus como o encontrou Zaqueu deve dizer: "se tiver defraudado alguém, restituirei o quádruplo." (Lc 19, 8)

domingo, 6 de abril de 2014

Virtude cadente

Poder apenas ver-te, sonho
deslumbrante e luz oscilante
de minha virtude cadente,
tua luz constante irradiante
de teu centro, de tua vida
figurada em minha existência
breve, fugaz, rarefeita,
Poder que tens de fazer
para ti mesmo variados
espelhos de tua perfeição,
imperfeições multiplicadas,
caminho em que nos puseste,
Deus de misericórdia e bom,
liberdade que nos deste
de querer refletir tua luz
ou para nada servir, morrer
em nós mesmos, imperfeição
paralisada, treva permanente.

Poder apenas ver-te, sonho
deslumbrante e luz oscilante
de minha virtude cadente,
luz que espero ver e vejo
já aqui refletida no tempo,
em meu tempo e nas quedas,
em minha virtude oscilante,
em meu mal tão recorrente,
tua luz que me absorve,
absolve de minha inconstância
e de mim mesmo me retira
e me voltas para ti, tua luz
agora em mim refletida,
já a vejo, já a tenho
dentro de mim, permanente
fulgor de tua glória, luz
sempre em mim reluzente,
perfeição ainda incompleta.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Deserto

Ouve o que diz a Cristo o espírito maligno e dize se não é dito também a ti: “Manda que estas pedras se transformem em pães”, isto é, vive por ti mesmo e em virtude de teu próprio poder, de tua força, de tua vontade independente de todo resto. “Não só de pão vive o homem, mas de toda Palavra da boca de Deus”, responde o Cristo. Astucioso, o maligno lhe devolve: pois bem, está escrito, é palavra da boca de Deus: “ele enviará os seus anjos para te guardarem”, isto é, alimenta-te da Palavra, satisfaz teus desejos e apetites com as promessas feitas por Deus, deleita-te nelas como num manjar delicioso, serve-te de Deus. É ainda mais contundente a resposta de Cristo: “não tentarás o Senhor, teu Deus”, isto é, a Palavra é a vida do homem na medida em que ele subsiste nela e não no pão material, ela não serve para satisfazer caprichos como se fora mero acessório e vaidade. Persiste, porém, o demônio em seu intento de levar à queda o novo Adão no mesmo precipício em que fizera cair o primeiro. “Dar-te ei todos os reinos da terra se, prostrando-te, me adorares”, isto é, se desobedeceres a Deus, se escolheres tua autonomia e tuas satisfações, se te fizeres deus de ti mesmo. “Adorarás o Senhor teu Deus e só a ele prestarás culto”. Eis o remédio, a vitória, a derrocada final do demônio, a ordem divina que o faz cair em seu abismo de trevas e cala definitivamente sua voz enganadora. Vencida a carne, o mundo e o maligno, começa Cristo a sua missão. Deu-nos o exemplo, a fortaleza de que dotou nossa natureza em sua encarnação e deu-nos a graça. Nossa é, porém, a vontade e a liberdade. Que nosso amor nos mova ao que nos apraz.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Literatura privada

Passei meu tempo de literatura privada, íntima. E o silêncio impõe-me responsabilidades. Faz-me estremecer esta que ora tenho nas mãos, a obrigação moral de ser útil, quase proverbial, no que vou dizer aqui, obrigação filha do silêncio guardado e resguardado nas privacidades. Dizem que os sábios são sujeitos de poucas palavras, poucos verbos, poucos adjetivos. E seus poucos verbos são todos imperativos enquanto conjugados, passivos, em seu silêncio. Quisera eu ser assim, quisera eu ter sido assim. Faz-me estremecer ainda mais, então, a responsabilidade que ora tenho nas mãos, a obrigação de oferecer aqui a quem quiser, sem triagens, uma possível sabedoria que tenha recolhido de meu silêncio. Parece-me impossível e inclino-me a deixar aqui o que tenho de trivial, banal e, talvez, profano. Falo a partir da razão, é onde residem minhas imprecisões. A fé não fala, é sábia, faz silêncio.

Começo pedindo perdão por meus adjetivos, imprecisos como sempre. Escapo sempre das exatidões científicas, das certezas experimentais. A vaguidão é geralmente meu lugar preferido, a lógica da indefinição me fascina. Foi disso que meu silêncio nasceu e foi isso que ele produziu, mais uma indeterminação, mais uma sombra sobre as clarividências que me serviam de premissas (mais uma imprecisão).

Meu primeiro passo foi render-me ao medo do não-silêncio. Deixei-o vencer, oportunamente, e tornar-se esperança. O não-silêncio prevaleceu e eu soube silenciar. Encontrei aí, em minha obscuridade, na presença do inimigo cuja vinda tornara-se esperança e, portanto, a chegada tornara-se satisfação, a divindade que temia não encontrar. As trevas e o ruído, a agitação e a dispersão, meu caos, eram, milagrosamente, o lugar epifânico de minha divindade sem nome (outra imprecisão).

Chamo-o Jesus, porém, embora jamais um nome lhe poderia servir. Deus salva, eis a epifania que pude contemplar. Salvou-me de meu caos habitando nele e fez dele sua ordem, minhas trevas, sua luz, minha ignorância, sua sabedoria. Eu jamais saberia nomeá-lo, para mim seria sempre meu Deus sem nome, mas Ele quis chamar-se assim, Jesus, Filho do Deus Vivo, esplendor do Pai, luz eterna, rei da glória, sol da justiça, filho da Virgem Maria, Jesus, conselheiro admirável, Deus forte, pai da eternidade, príncipe da paz, Jesus todo-poderoso, paciente, obediente, manso e humilde de coração, Jesus, pai dos pobres, glória de vossos fiéis, bom pastor, luz verdadeira, sabedoria infinita, imensa bondade, nosso caminho e nossa vida.

Concluo.