terça-feira, 31 de março de 2015

Rei estranho

Sou súdito de um Rei
estranho, sem trono
para sentar-se, mas
erguido mais alto
que todos os tronos,
é ostentado no mundo
inteiro, sobre tudo
Rei, réu soberano

Seu trono, ostensório
de sangue e maldição,
Custódia de amor vero
e extremado, sangrento,
coroa de espinhos o
distingue de todos
os outros, Rei supremo,
humilhado, pequeno

Seu manto, a nudez,
carne que à divindade
reveste e esconde,
sangue que vela
igualmente a natureza
de barro e de pó,
a fraqueza que quis
fosse sua, totalmente

Sou súdito de um Rei
estranho, rendido e
silente, injustiçado,
que se fez maldição,
um Rei que entregue
ao inimigo, vencido
venceu, gáudio inaudito!

Vence o Rei sozinho,
guarda Ele o exército e
sem perdas, triunfa,
o general supremo
morre e vence a morte,
O Rei em seu trono
estranho perdoa e faz
do inimigo seu povo

Sua glória é a morte,
o desprezo, o homem
agora totalmente vivo,
a vida, mais uma vez
revestida da glória
imortal primitiva,
Páscoa, ainda pena,
e espera, Seu Reino.

quarta-feira, 25 de março de 2015

A humildade

A humildade desconhece
espelhos, não tem reflexo,
embora seja evidente
e não saiba esconder-se,
todos a veem sempre

É cega sempre que olha
para si mesma, mesmo
que não seja cega,
sabe-se pequena,
mas é grande, infinita

Todos a veem, ela não,
e é falsa se se reconhece,
vive fora de si e vive
apenas se é morta para si,
se invisível, é perfeita

Misteriosa epifania!
Verdade paradoxal!
reflexo da luz divina,
beleza imaterial!
Ser sem excessos

terça-feira, 17 de março de 2015

O dom da gratuidade

Tenho por certo que o amor é sempre incondicional. Não há face mais autêntica do amor do que aquela que revela cuidado sem esperar absolutamente nenhuma recompensa. Eis o que Deus me fazia pensar quando abracei um bêbado, homem acostumado à rejeição, perdido no meio da história que contava sobre o assassinato da filha e o torpor do álcool, embriaguez que julguei ser uma tentativa de fuga da dor da perda da filha. Acolhi-o, sem sentimentos, sem afeição, sem gostar do que fazia, fui movido por uma força que me fazia agir segundo a ordem que me deu o Senhor: ‘eu não tenho o direito de não servir’. Nesse contexto, era fácil duvidar da autenticidade daquela história, e parecia justificável recusar ajuda, mas o que o Senhor queria ensinar-nos, a todos que lá estávamos, prevaleceu sobre meus medos.

Providenciamos para ele o que pudemos, considerando verdadeira a história que nos contara e, enquanto ele nos falava e nos abria seu coração, um desejo não abandonava o pensamento: deixá-lo aos cuidados da Toca de Assis. Porém, tomamos outro caminho, e o levamos até a rodoviária para que embarcasse para Rubiataba, no estado de Goiás, cidade onde sua filha seria sepultada, mas encontramos o guichê da empresa de ônibus fechado. Realizou-se então aquele meu desejo primeiro, o levamos à casa da Toca de Assis e o entregamos a mãos mais apropriadas que as nossas para que cuidassem dele. Durante todo o tempo assaltava-me a dúvida a respeito da autenticidade do que aquele homem nos contara, e me atormentava ainda mais o pensamento o fato de ele ter-se identificado por três vezes com nomes diferentes.

Pouco tempo depois, já dentro do ônibus, a caminho de casa, o tumulto daquela “ocupação” cessou e a Palavra de Deus fez minha alma chorar com uma simples pergunta, que calou todo julgamento: ‘porque esperas recompensa?’ A recompensa que eu esperava era o “fruto de nossa caridade”. Vaidade. “Se o fizesse de minha iniciativa, mereceria recompensa. Se o faço independentemente de minha vontade, é uma missão que me foi imposta.” (1Cor 9, 17) Se espero recompensa coloco minha confiança no meu ato, não na graça de Deus. Devo desejar e esperar que ele ame a Deus, mas não posso desejar ver isso, ainda que o veja, isto já seria minha recompensa. Ai daqueles que já aqui tem sua recompensa! (Mt 6, 2)

Eu precisava deparar-me com alguém que não “merecia” amor para aprender tudo isso. Palavras que descrevem este amor estamos fartos de ouvir, mas somos tardos em colocá-las em prática. Depois de tudo eu pensava: Graças a Deus ele pôde ver o amor cristão. Eis a vitória de Deus, não fui eu que o acolhi, mas fiz, de algum modo, as vezes de Cristo para aquele homem. Não me orgulho disso, porque meus sentimentos traíam o que aquele homem deveria experimentar. Alegro-me, porém, porque Deus sabe usar de nossa incapacidade, e oculta aos Seus amados mais pobres a miséria de Seus servos, para que apareça somente Seu infinito Amor.

terça-feira, 10 de março de 2015

Como vosso Pai

Sede como vosso Pai do Céu (cf. Mt 5, 48).

Assim diz o Senhor: "Será que eu tenho prazer na morte do ímpio? - Oráculo do Senhor. Não desejo, antes, que mude de conduta e viva?" (Ez 18, 23)

Deixai, pois, vossos juízos e empenhai-vos em conduzir os que erram à verdade e à justiça. Os que erram são numerosos e certamente estais entre eles. "Não é verdade que fazeis distinção entre vós, e que sois juízes de pensamentos iníquos?" (Tg 2, 4). "Onde está o motivo de se gloriar? Foi eliminado. Por qual lei? Pela das obras? Não, mas pela lei da fé" (Rm 3,27).

Olhai à vossa volta e vede se há um dentre vós completamente livre de culpas. Não julgueis, ao invés, sede como vosso Pai do Céu. Desejai que os ímpios - dentre os quais sois contados se em vós prevalece o juízo em vez da misericórdia - retornem à segurança do redil de Cristo. Trabalhai com todo empenho para a realização do Reino de Deus, cuja vinda pedis tantas vezes sem, no entanto, trabalhardes para que se realize. Realizai-o vós!

Se não vos julgais capazes, olhai e vede aqueles que vos precederam em semelhante ofício. Uma legião de mártires caminha à vossa frente enquanto vos deteis em murmúrios e resoluções vacilantes. Hesitais, dando provas de que sois mais fracos que os filhos das trevas, a quem julgais pensando que sois melhores do que eles. Levantai-vos, tende coragem e marchai todos vós! À vossa frente marcha vosso comandante, o Senhor, que combate por vós com braço forte.

"Desse modo, cercados como estamos de uma tal nuvem de testemunhas, desvencilhemo-nos das cadeias do pecado. Corramos com perseverança ao combate proposto, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus." (Hb 12,1)

terça-feira, 3 de março de 2015

Sede perfeitos

"Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito" (Mt 5, 48). Talvez pareça exigência alta demais, mas é justo que seja exigido do cristão o que é próprio de seu mestre. Mas em quê consiste tal exigência, o que significa ser perfeito? É evidente que não é tornar-se indefectível, nossa natureza é essencialmente incompleta, imperfeita, em vias de aperfeiçoamento. Só Deus é perfeito. É bem outra, portanto, a perfeição que de nós é exigida. Dá-nos uma pista a conjunção que antecede o imperativo: portanto. A perfeição exigida de nós é o amor incondicional: Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Portanto, amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos perseguem. Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu. (Mt 5, 46a. 47a. 44b-45a).

Parece-te ainda alta a exigência? "Lembra-te de que tu és meu servo; eu te criei, és meu servo, Israel, não me decepciones. Desmanchei como uma nuvem teus pecados, como a névoa desfiz tuas culpas; volta para mim, porque te resgatei!" (Is 44, 21-22). Ora, se aos que se dizem discípulos de Cristo se exigisse menos do que se reconhece em seu Mestre, seriam eles autênticos? "Nós vos exortamos a não receberdes em vão a graça de Deus, pois ele diz: 'No momento favorável, eu te ouvi e no dia da salvação, eu te socorri'. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação. Não damos a ninguém nenhum motivo de escândalo, para que o nosso ministério não seja desacreditado. Mas em tudo nos recomendamos como ministros de Deus." (2Cor 6, 1-4)

Fosse a vida do cristão em alguma medida mais leve que a vida de Cristo, isso seria certamente um escândalo. E já o é, pois que muitos parecem empenhar-se em fazer o Evangelho desacreditado. É graça de Deus a perfeição, por isso ela pode e deve ser exigida de todo batizado. E não é exigência alta demais. Lembra-te, desmanchei como uma nuvem teus pecados, diz o Senhor. Não recebamos em vão a graça de Deus! Deus deu-nos a capacidade, o que nos falta ainda?