segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Apologia à Coragem

Olham-me como se eu fora virtuoso, corajoso, exemplo de determinação e resiliência no seguimento de Cristo. O motivo? Minha consagração e minha forma de vida. Há quanto tempo estou aqui? Aos outros importa muito, a mim diz pouco ou quase nada. Minha forma de vida também, é para mim mais necessidade que virtude, é grito de Deus que me obriga a refugiar-me mais que outros num lugar sagrado para não sucumbir ao risco de me perder de Deus. Do lado de fora eu seria fraco demais. Disso nasce o desejo de escrever aqui uma apologia aos mais corajosos e virtuosos que eu.

Olho para mim e me vejo escondido, apareço pouco, luto pouco, quase só comigo mesmo e meus defeitos, meus delitos. Aos poucos e a poucos tenho a chance de alcançar daqui, quase só aos que chegam, aos que vem, aos que chamam. Os outros, aqueles mais virtuosos que eu, e são muitos, vejo noutras partes, noutros lugares, lugares onde está o povo que não vem, os que não chamam, os que não rezam. A esses vou também, mas eles muito mais. Vivem entre eles como se fossem como eles, vestem-se como eles, trabalham com eles e como eles, cultivam sonhos e planos semelhantes aos deles, infiltrados e misturados aos infiéis, aos desgraçados, próximos a bons e maus, a justos e ímpios, quase disfarçados e com vestes comuns, rostos comuns, vidas comuns. Vejo-os como valentes guerreiros que sustentam combates mais cruéis que os pequenos e leves que eu enfrento: vejo-os intrépidos onde eu me renderia.

Uns chamam corajosos e ousados aos que saem do mundo para viver assim como escolhi viver, outros, e entre esses conto-me a mim, veem mais coragem e ousadia nesses a quem aqui louvo, vejo mais virtude em lutar ali onde os golpes são mais cruéis. Vejo muitos assim na frente de batalha enquanto eu somente monto guarda às portas da cidade. Aqueles meus irmãos vão à frente para negociar a paz e a reconciliação com os chamados inimigos. Eu fico aqui qual escudo, guardando a cidade de ataques junto a tantos outros e guardando os que ficam, para que não queiram fugir com medo de que o inimigo seja mais forte. Eu, aqui, deixo ver pouco do que sou atrás da virtude que mostro e que pareço ostentar por dedicar-me exclusivamente a trabalhos de evangelização; aqueles, diferentemente, vão a combate com armadura mais frágil que a minha, o que os obriga a um cuidado maior do que eu.

Sou virtuoso por deixar tudo e seguir Jesus? Sou virtuoso por ser pobre sem ter riquezas nas mãos? Muito mais aqueles que são pobres e trazem nas mãos as riquezas do mundo, que tem o coração livre na presença de quem os poderia prender, que põem os olhos no alto tendo-os tanto no chão, na terra e no tempo.

Quanto a mim, rezo por eles, para que permaneçam ali onde devem ficar e, de minha parte, faço o que devo fazer, nada mais. Falta-me generosidade? Talvez. Mas não me incomodo, por que mesmo a maior generosidade que eu pudesse ter faltaria diante de tudo que devo dar de mim, e devo dar-me inteiro; generosidade seria dar o que não tenho, por isso nada faço além do meu dever. Rezo.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Tu me amas?

Não consigo tolerar certas sutilezas românticas que traem o bom senso com sentimentalismo. Nada contra os românticos, mas tenho algo contra os excessos.

Outro dia vi uma frase circulando pelas redes sociais sob elogios e manifestações de comoção: "Só diga que me ama depois de ter se decepcionado comigo ou então eu vou esperar a primeira ferida para ver o quão verdade isso é." (Abner Santos) Foi-me indigesto à primeira vista. O motivo? É simples...

Não acredito num amor que só se autentica numa decepção nem tampouco num amor que exige provas de amor do outro. Parece exagero falar assim, mas ainda prefiro crer num cristianismo que prega o dom de si ao invés de "reivindicações de caridade". Reduz-se o amor a tão pouco! Crer nas pessoas é também amar e, antes de esperar que amem, devemos amar. Se duvido do amor do outro até minha próxima falha sou, na verdade, interesseiro, mesquinho e egoísta. Devo dar amor e não esperar que me amem de verdade.

Faço duas leituras daquele dizer que citei no início:

1. Amas-me? Duvido. Far-me-ei teu inimigo e, se ainda me amares, saberei se dizes a verdade.

2. Amo-te? Não sei. Faze algo contra mim e saberei dizer-te com certeza.

Exagero, talvez, mas às vezes é bom levar aos limites as ambiguidades sutis que podem ficar bem escondidas atrás de certos romantismos. É certo, o amor ao inimigo e ao que nos fez mal é a expressão mais visível do amor cristão, mas é apenas expressão de um amor que, antes, é incondicional e já é verdadeiro. O amor verdadeiro é permanente e não depende de merecimentos, por isso o momento da decepção "prova" sua verdade. O problema é colocar essa "prova" como uma exigência, uma condição para se poder esperar amor do outro.

É este meu pensamento: o amor sempre espera o bem do outro e segue sempre amando [e esperando esse bem]. O amor não se decepciona porque "não busca os seus próprios interesses, tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta." (cf. 1Cor 13, 5-7)

"Quem tem ouvidos para ouvir que ouça." (Mt 11, 15)