quarta-feira, 5 de junho de 2013

Teus olhos

Abram-se nossos olhos para vermos os teus, Senhor!

Olhas-nos do alto, mas não como imaginavam os antigos, que esperavam sempre que o castigo seguiria imediatamente a culpa e a desobediência. Vivíamos sob vigilância permanente, sob o olhar atento e crítico de um Deus pronto a punir quem ousasse contrariá-lo. Vivemos em outros tempos, nos tempos da Nova Aliança, no tempo da misericórdia. É bem verdade que a misericórdia não é algo novo, mas é algo desde sempre presente na nossa história. Onde, então, estava o problema? Nos nossos olhos, respondo. O mundo sempre foi cheio de interpretações erradas, feitas e impostas por aqueles que tem algum tipo autoridade: elegemos nossos opinadores e os seguimos, cegamente e felizes por não precisarmos pensar. O mais interessante é que sempre a misericórdia aparecia nas teofanias bíblicas, desde o princípio e, por isso, volto a dizer, o problema estava na interpretação (e está ainda, talvez).

Abram-se nossos olhos para vermos os teus Senhor!

A mim parece simples, partindo de um conceito puramente racional de "deus", aceitar que sejas misericordioso. É uma questão de coerência essencial (perdoem-me a inconsistência do conceito, mas é como posso enunciá-lo agora). A criação da autonomia e da liberdade num outro ser totalmente outro diferente de teu Eu é evidência de teu absoluto poder, e não podes desfazer o que fazes nem tampouco deixar de querer o que queres, dedução lógica de tua perfeição. Pensando nisso, vejo que se castigasses aqueles que contrariam o que temos por ordem tua agirias em contrário à liberdade que tu mesmo criaste, e tu criaste um outro totalmente outro diferente de teu Eu.

Abram-se nossos olhos para vermos os teus Senhor!

É por isso que nos olhas com misericórdia, porque criando-nos livres e autônomos, em certa medida, criaste-nos imperfeitos, porém perfectíveis. Assim querias (e queres) que nosso progresso seja de aperfeiçoamento - e nisto entendemos um assemelhamento progressivo de nossa imperfeição a Ti mesmo, que és a própria perfeição.

Abram-se nossos olhos para vermos os teus Senhor!

Abram-se nossos olhos para olharmos uns aos outros como Tu nos olhas, Senhor! Esperas sempre o melhor de nós, um próximo passo mais acertado que o último, se o demos errado. Vês quando decaímos e nos tornamos mais imperfeitos, mas não esperas nem queres que nosso próximo passo seja na mesma direção. Não poderia ser diferente, porque em ti querer e esperar são o único e mesmo ato, o mesmo ato criador que nos fez perfectíveis e para a perfeição.

Abram-se nossos olhos para vermos os teus, Senhor!

Não nos desesperemos à vista de tua perfeição e de nossa imperfeição, mas leve-nos adiante a luz que vemos em ti, suma perfeição, tendamos ao nosso fim mais nobre, ao nosso fim melhor, nosso primeiro motivo. Que a perfeição que vemos em Ti se grave de tal maneira em nosso desejo que nosso olhar sobre nós e sobre todos seja como o teu sobre todos, esperança e desejo de perfeição, felicidade. Abram-se nossos olhos para vermos com os teus, Senhor!