quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Caminhando

Andar é um ato de fé porque confiamos que o pé que fora erguido para dar o passo tocará novamente o solo. Alguém pode dizer, e com razão, que olhamos com freqüência para o chão a fim de sabermos se é seguro ou não pisar neste ou naquele ponto; no entanto, enquanto olhamos para baixo confiamos no movimento em que nos colocamos, e seguimos sem considerar a possibilidade de surgirem obstáculos que não podem ser vistos enquanto olhamos para o chão. O contrário também é verdadeiro. É verdade também que o tempo que gastamos em cada um desses olhares é suficiente para construirmos para nosso consciente uma certeza a respeito das condições do caminho em que andamos, porém essas condições não são sempre constantes e nem sempre percebemos tudo o que seria necessário para garantir, de fato, nossa segurança. Você já deve ter passado pela experiência de não perceber um desnível no chão, como um degrau, por exemplo, e "pisar em falso", reagindo como se fosse cair em um buraco. Prova disso também é que às vezes tropeçamos, ou nos colocamos em rota de colisão com outros andantes que também não perceberam tudo em seu caminho. Olhares rápidos não percebem detalhes. Se não houvesse a fé naquilo que supomos (que assumimos como verdadeiro sem experimentações e constatações) jamais teríamos coragem de colocar um pé para fora de casa.

Há, no entanto, uma diferença fundamental entre essa fé "empírica", natural, e aquela que recebemos de Deus em nosso batismo. A primeira é acreditar a partir de "constatações precipitadas", ou sem fundamento teórico, e a segunda ultrapassa tudo isso, é a confiança em uma autoridade superior que conhece de fato o que nossa inteligência apenas supõe ou ignora.

Podemos comparar aqueles olhares com que percebemos o que está à nossa frente enquanto andamos com as revelações que Deus nos faz, e nos fez, em Sua Palavra. Deus às vezes nos permite ver a luz que há em nosso destino, o Céu, para que não percamos o rumo da caminhada. Olhamos para frente e vemos a luz do Céu, e então voltamos a olhar para o chão, que é a nossa humanidade, onde estamos, onde atualmente pisamos. Olhamos algumas vezes para o Céu, e não percebemos tudo, mas cresce em nós a fé que nos faz confiar que podemos continuar caminhando, sem riscos de quedas ou desvios. Caímos e nos desviamos muitas vezes, mas, diz São João Crisóstomo, não desejamos tanto o perdão dos nossos pecados quanto Deus deseja perdoar-nos.

"De fato, é em ti que o nosso bem vive e não desfalace, pois tu mesmo és o bem; e não receamos mais encontrar o lugar de onde caímos, pois em nossa ausência não se destrói a nossa casa, que é a tua eternidade." (S. Agostinho. Confissões, IV, 31)