terça-feira, 30 de junho de 2009

Solidão

A solidão é caminho de poucos. Não sei dizer bem, e não sei se posso dar detalhes precisos, mas ela faz parte de mim, mesmo com muitas companhias, mesmo identificando-me com a vida comunitária e encontrando-me nela. É também caminho estranho, árduo, de muitas lágrimas e rebentos regados aos poucos.

Os sentimentos às vezes querem trair o que o amor diz, por vezes são fortes e violentos como cães, e em outras são mansos como pombas. Suas muitas variações diárias são difíceis de domar, às vezes de resistir, mas o combate é compensador. Uma pergunta, em meio a esses numerosos conflitos interiores, aflige meu espírito: Se tu soubesses o que te espera, acaso serias prudente em teu agir?

A resposta frequente é misteriosa. A sabedoria reside na paciência, no silêncio que espera e age sem pressa, no domínio dos próprios impulsos e desejos de tudo apreender, é ser prudente, despir-se do desejo de preparar-se para o futuro a partir de um conhecimento prévio do que ainda não é.

Minha vida é constante aprendizado desta verdade que meus sentimentos costumam esconder de si mesmos, enquanto minha razão tateia, ávida por encontrar uma porta de saída da insegurança que a incerteza nutre. A solidão é minha companheira nesta jornada, é ela minha conselheira de todas as horas, escura luz que me ilumina os passos.

Ser só é dom de Deus, tesouro riquíssimo que Ele quis confiar aos meus cuidados. Que poderia eu querer senão o que Ele me dá em sua insondável vontade? É o que desejo, é o que alimento, para que permaneça até a eternidade, sem profanações. É caminho de incertezas, que exige cuidado constante, e que revela recantos do coração que, apesar de serem vistos pelos amigos, não podem ser por eles tocados. É minha cruz particular, não posso dividi-la com outros, cujo peso se tornará suportável à medida que as outras forem suportadas por outros ombros além dos meus.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Não Sei

Não sei se cabe aqui falar dos sentimentos
Das dores que me vão na alma e que não vejo
Pesares que corroem meu pouco de vontade
Pequeno desejo que está lentamente a morrer

Não sei se saberei falar de meus muitos sonhos
De meus planos vários para um depois distante 
Vontades curtas que apenas ao tempo alcançam
Esperanças muitas que muito facilmente morrem

Eu não sei descrever o que me fere o coração
Mas sei que o anseio por alívio faz crescer a dor
Sei que a dor que guardo sem querê-la em mim
Guarda-me do risco de perder-me em satisfações

Não sei o quanto do Eterno eu trago em mim
Mas sei não é somente o tempo que rege meu agir
Hoje quero ver-me livre dos desejos temporários
E ter em mim um só desejo pelo que nunca passará

terça-feira, 16 de junho de 2009

Pensamentos reticentes

O pensamento que não continuou, palavra que abriu portas à curiosidade, frustração do autor que se transforma em inspiração para o ouvinte. Eis um espaço privilegiado para a criatividade, espaço de liberdade para ambos, falante e ouvinte. Tenho uma amiga que gosta deste sinal às vezes tão pouco sugestivo e que costuma despertar em nós um certo desinteresse pelo discurso que "terminou" nas reticências. O interessante é que sempre que a ouço interromper suas sentenças assim minha alma se sente profundamente incomodada e, desde a primeira vez que a ouvi falar assim, uma sabedoria muito simples começou a permear meu coração. Pensamentos inconclusos fomentam a fraternidade e motivam os ouvintes à responsabilidade de encontrar um final para aquilo que ouviram. A curiosidade nos torna criativos. A curiosidade nos instiga a perscrutar a alma daquele que disse "pela metade", a fim de compreendermos o que queria ser dito, além do limite das reticências. Eu chamaria isso de sensibilidade simbiótica. Preciso aprender a perceber o mundo a partir da percepção do outro, permitindo que minha sensibilidade se estenda até onde olhos alheios alcançam.

Os amigos, permitam-me falar deles agora, são os que mais se aproximam da realidade que nosso discurso não foi capaz de alcançar. A eles não precisamos dizer muito, e podemos até "começar" com as reticências, porque mesmo elas, para eles, são janelas por onde vêem nossa alma. Todos precisamos de alguém assim, para quem sejamos transparentes, do contrário jamais seremos conhecedores de nós mesmos, porque nossos pensamentos, queiramos ou não, são sempre reticentes a respeito do que somos.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Santidade

Sou um discípulo tardio da poesia, amigo recente da prosa e das alegorias das palavras. Os poetas não costumavam figurar no meu quadro de interesses, e o elenco de meus objetivos contemplava sempre ao longe seu palavreado enigmático e excessivamente alegórico. Quem diria que hoje me contaria entre eles? Foi uma descoberta estranha, num repente que não sei descrever, do qual conheço apenas o ponto de partida.

Agostinho era o nome daquele personagem cujo desconhecimento me cativava. Uma vida que resgatou a minha das rédeas de minha aversão à sensibilidade humana. Almas que se desvelam tem o dom de iluminar outras que delas se aproximam. Foi o que aconteceu. Hoje colho os frutos daquele fortuito encontro que minha curiosidade motivou. Às vezes paro, pensativo, tentando descobrir de quem, de fato, foi a iniciativa, minha ou dele.

Nós católicos temos um jeito poético de nos recordarmos daqueles que foram para nós exemplo de vida cristã. Nós os chamamos santos, por que portadores da verdade do Evangelho e em cuja vida os defeitos não prevaleceram. Santo Agostinho é um deles, filósofo, místico, músico, poeta, sacerdote do Altíssimo a ensinar-nos o caminho de subida ao paraíso pelos degraus humanos. Considero-o meu amigo, mesmo sem o poder ver e abraçar, porque Aquele que por meio dele encontro me preenche a tal ponto que as palavras de desalento que os descrentes ou minha frágil humanidade me dizem perdem completamente sua força.