quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Misericórdia

Quero deixar aqui um pedido de perdão àqueles que partiram levando consigo minha incompreensão. A escassez de detalhes que pudessem esclarecer toda a situação me fazia querer condenar aqueles que anunciaram ao meu lado o mesmo único Deus e Senhor de todos os homens, mas em meu íntimo a voz do Senhor me pedia uma atitude simples, porém essencial: misericórdia. Se condeno aqueles de quem Deus se compadece sou injusto, comigo mesmo e com eles também, porque Deus, que possui um juízo mais apurado que o meu, nos perdoou a todos. Sejamos coerentes e tenhamos a coragem de dizer que o que muitas vezes nos difere daqueles que desistiram é que eles tiveram uma coragem que nós não tivemos (ainda?). Santo Afonso de Ligório sugere que rezemos assim ao ver alguém cometendo algum erro: obrigado Senhor, porque se não me ajudasse Vossa graça eu teria feito pior. Aprendamos com isso. Os erros dos outros não podem ser motivos para que os condenemos, mas, antes, indícios de possíveis erros nossos, ou, talvez, indicação de erros atuais que ainda não nos demos a oportunidade de perceber. Os erros dos outros devem aparecer para nós como pedidos de socorro de corações que, como os nossos, não sabem acertar sozinhos. A decepção com o outro nos abre os olhos para enxergarmos se amamos de verdade o Cristo que ele anunciou. E quem é esse Cristo senão esse que dá uma atenção especial e preferencial àqueles que nos acostumamos a classificar como malditos, desgraçados, inúteis, incapazes? Se dizemos tantas vezes Jesus, manso e humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao Vosso, tenhamos, então, a coragem de aceitar esse coração que Deus nos quer entregar.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Caminhando

Andar é um ato de fé porque confiamos que o pé que fora erguido para dar o passo tocará novamente o solo. Alguém pode dizer, e com razão, que olhamos com freqüência para o chão a fim de sabermos se é seguro ou não pisar neste ou naquele ponto; no entanto, enquanto olhamos para baixo confiamos no movimento em que nos colocamos, e seguimos sem considerar a possibilidade de surgirem obstáculos que não podem ser vistos enquanto olhamos para o chão. O contrário também é verdadeiro. É verdade também que o tempo que gastamos em cada um desses olhares é suficiente para construirmos para nosso consciente uma certeza a respeito das condições do caminho em que andamos, porém essas condições não são sempre constantes e nem sempre percebemos tudo o que seria necessário para garantir, de fato, nossa segurança. Você já deve ter passado pela experiência de não perceber um desnível no chão, como um degrau, por exemplo, e "pisar em falso", reagindo como se fosse cair em um buraco. Prova disso também é que às vezes tropeçamos, ou nos colocamos em rota de colisão com outros andantes que também não perceberam tudo em seu caminho. Olhares rápidos não percebem detalhes. Se não houvesse a fé naquilo que supomos (que assumimos como verdadeiro sem experimentações e constatações) jamais teríamos coragem de colocar um pé para fora de casa.

Há, no entanto, uma diferença fundamental entre essa fé "empírica", natural, e aquela que recebemos de Deus em nosso batismo. A primeira é acreditar a partir de "constatações precipitadas", ou sem fundamento teórico, e a segunda ultrapassa tudo isso, é a confiança em uma autoridade superior que conhece de fato o que nossa inteligência apenas supõe ou ignora.

Podemos comparar aqueles olhares com que percebemos o que está à nossa frente enquanto andamos com as revelações que Deus nos faz, e nos fez, em Sua Palavra. Deus às vezes nos permite ver a luz que há em nosso destino, o Céu, para que não percamos o rumo da caminhada. Olhamos para frente e vemos a luz do Céu, e então voltamos a olhar para o chão, que é a nossa humanidade, onde estamos, onde atualmente pisamos. Olhamos algumas vezes para o Céu, e não percebemos tudo, mas cresce em nós a fé que nos faz confiar que podemos continuar caminhando, sem riscos de quedas ou desvios. Caímos e nos desviamos muitas vezes, mas, diz São João Crisóstomo, não desejamos tanto o perdão dos nossos pecados quanto Deus deseja perdoar-nos.

"De fato, é em ti que o nosso bem vive e não desfalace, pois tu mesmo és o bem; e não receamos mais encontrar o lugar de onde caímos, pois em nossa ausência não se destrói a nossa casa, que é a tua eternidade." (S. Agostinho. Confissões, IV, 31)