domingo, 12 de junho de 2016

Amar-te

“Certa mulher, conhecida na cidade como pecadora, soube que Jesus estava à mesa, na casa do fariseu. Ela trouxe um frasco de alabastro com perfume, e, ficando por detrás, chorava aos pés de Jesus; com as lágrimas começou a banhar-lhe os pés, enxugava-os com os cabelos, cobria-os de beijos e os ungia com o perfume.” (Lc 7, 37-38)

Ao grande amor daquela mulher precedeu o perdão de Cristo e ao perdão de Cristo precedeu o grande amor daquela mulher. Amor e perdão se correspondem, implicam-se mutuamente. Ela não pediu perdão, mas arrependeu-se e amou muito, amou ao ponto de ultrapassar os limites da lei, tocar o Santo com suas mãos culpadas, banhar-lhe os pés com as lágrimas de sua culpa, ungindo-os com o perfume de seu passado. Quem poderá compreender o amor? Quem ousará dar-lhe medidas?

Dizia alguém que será triste chegar ao fim e ver terminada a vida sem naufrágios, ter vivido sempre à superfície. Ah, que espantosa verdade! O movimento do amor e do perdão, das sucessivas quedas redimidas, das lágrimas de arrependimento que se tornam dom e reconciliação, dos passos errantes que reencontram a direção quando encontram repouso: eis, aos pés de Deus, a Salvação feita história, maravilhosa transfiguração!

Ama, descobre Deus nestes fragmentos de teu frágil vaso despedaçado e o perfume, o encontro de dois amantes, tu e teu Deus, espargido no mundo: eis tua história, prostrada, rendida, imitando o madeiro que elevou da terra o Salvador!

Amar-te é meu desejo sempre
imperfeito, insatisfeito,
simples e grande, martírio
que assusta e me destrói e
me deixa em pedaços, tantos
pedaços aos pés de teu amor

Deixas-me aqui, vertidas
as lágrimas de minha prece,
derramado o perfume de meu
passado, o amor incompleto,
meu coração despedaçado
e meus pedaços todos aqui

No ar o perfume desta vida,
o perdão, o amor que nasceu
quando ouvi teu nome e vi
teu rosto ao longe, ouvi a voz
de teu amor no coração agora
despedaçado, minha gratidão

sexta-feira, 10 de junho de 2016

O coração da Lei

Os Dez Mandamentos. À simples menção da regra alguns já se contorcem imaginando aquela série de proibições categóricas da lei de Deus. Pergunto: será que, de fato, são proibições? O Evangelho proposto pela Igreja para o dia de hoje (cf. Mt 5, 27-32) nos oferece alguma luz para compreendermos isso.

Jesus fala do adultério e transcende a transgressão “prática” da lei para chegar ao coração da mesma lei: o ato mal já começa no desejo de praticá-lo. Por que Jesus quer fazer-nos olhar além do ato? Porque Ele não está preocupado com o simples cumprimento da lei, isso seria muito pouco, mas está preocupado com a pessoa, comigo, com você, com cada um de nós. Porque você é importante Ele pede que não cometa adultério e todas as outras coisas já bem conhecidas.

Aqueles “nãos” talvez pareçam opressores, mas definem com clareza os limites de nossa liberdade que, naturalmente, será limitada em qualquer circunstância. A questão aqui é a nossa dignidade. Quando Deus diz ‘não cometerás adultério’ Ele está dizendo mais do que isso, muito mais do que isso. Poderíamos entender, em palavras simples, assim: ama, dá de ti ao outro sem querer algo em troca, oferece teu coração, livre, ao teu próximo. Não é preciso raciocinar muito para compreender a beleza do “coração da lei”, o amor, que deixa nossa vida muito mais simples, mais leve, mais livre. Consegue imaginar todo cristão amando assim? Parece mera utopia, mas seria possível se cada um se comprometesse com isso.

De fato, a lógica da caridade é bastante simples, ainda que por vezes seja árdua. Se o eu devesse ser o centro de tudo, seria impossível haver ordem e paz entre os homens e a ordem e a paz propostas pela caridade resumem-se nisto: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13, 34). É essa a liberdade do Evangelho, que exige de nós responsabilidade e compromisso e faz um duro desafio à nossa vontade: à Palavra ouvida na Igreja deve corresponder uma vida que a torne concreta, viva e visível. Termino com uma constatação: se não fosse verdadeira e se sua proposta fosse impossível, há muito essa Palavra seria apenas mais uma peça de museu.