terça-feira, 16 de junho de 2009

Pensamentos reticentes

O pensamento que não continuou, palavra que abriu portas à curiosidade, frustração do autor que se transforma em inspiração para o ouvinte. Eis um espaço privilegiado para a criatividade, espaço de liberdade para ambos, falante e ouvinte. Tenho uma amiga que gosta deste sinal às vezes tão pouco sugestivo e que costuma despertar em nós um certo desinteresse pelo discurso que "terminou" nas reticências. O interessante é que sempre que a ouço interromper suas sentenças assim minha alma se sente profundamente incomodada e, desde a primeira vez que a ouvi falar assim, uma sabedoria muito simples começou a permear meu coração. Pensamentos inconclusos fomentam a fraternidade e motivam os ouvintes à responsabilidade de encontrar um final para aquilo que ouviram. A curiosidade nos torna criativos. A curiosidade nos instiga a perscrutar a alma daquele que disse "pela metade", a fim de compreendermos o que queria ser dito, além do limite das reticências. Eu chamaria isso de sensibilidade simbiótica. Preciso aprender a perceber o mundo a partir da percepção do outro, permitindo que minha sensibilidade se estenda até onde olhos alheios alcançam.

Os amigos, permitam-me falar deles agora, são os que mais se aproximam da realidade que nosso discurso não foi capaz de alcançar. A eles não precisamos dizer muito, e podemos até "começar" com as reticências, porque mesmo elas, para eles, são janelas por onde vêem nossa alma. Todos precisamos de alguém assim, para quem sejamos transparentes, do contrário jamais seremos conhecedores de nós mesmos, porque nossos pensamentos, queiramos ou não, são sempre reticentes a respeito do que somos.