segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Olhar o Alto!

Eu quis ser perfeito… pretensão estúpida! Pensava que para ser perfeito bastaria “não ter defeitos”, ocultar minhas fraquezas e meus pecados até que desaparecessem, lutar contra eles construindo uma imagem, um ídolo, na verdade – pude compreender isso mais tarde – feito de mim mesmo e das opiniões alheias a meu respeito. Tentei ser perfeito. Alcançou-me, porém, um olhar que me via através das máscaras, que parecia discernir entre minhas virtudes verdadeiras e falsas e me falava, muito além das sílabas, do amor que minha pretensa perfeição escondia. Não posso explicar esse encontro senão pelo Amor de Cristo, que misteriosamente se serve de instrumentos humanos para chamar os seus e chamá-los a Si sem coagi-los, mas atraindo-os por meio daqueles laços com que nos deixamos prender (cf. Os 11, 4). Aquele olhar percebeu em mim uma luz que eu mesmo não percebia – eu a procurava como se ela devesse emanar de mim mesmo – e quis deixar-se iluminar por ela, era a luz de Cristo cujo resplendor parece mais evidente onde as trevas são mais densas (cf. Rm 5, 20).

Hoje não sei contar minha história sem me lembrar daquele encontro que ainda perdura no tempo, que ultrapassou os limites que eu considerava possíveis, que ainda penetra meu coração e me ajuda, como instrumento da graça Divina, a não fixar os olhos em mim nem em minhas incapacidades, mas tê-las nas mãos como o único dom que posso fazer ao Senhor, conservando em meu coração a prece incessante, como desejo sempre insatisfeito – meus gemidos inefáveis –, esta prece: “Recebe, Senhor, minha fraqueza e insuficiência, meus pecados e minhas infidelidades, é minha oferta e tudo que tenho de verdadeiramente meu.”

Não posso explicar o que se passa em meu interior, não há linguagem humana capaz de exprimir o que trago dentro de mim. Sei apenas que descobri – e tenho aprendido isso lentamente – na fraqueza um “lugar” em que Deus se faz tangível, é aí que Ele se deixa encontrar. E tenho aprendido que a perfeição, aquela que Cristo pede no Evangelho, consiste em amar, em ser amor, um amor que simplesmente é. Fitando aquele mesmo olhar que me alcançou, pude ver uma alma com suas feridas e medos, as marcas de suas lutas, suas fraquezas e aquela luz em seu íntimo que me alcançara e me alcança sempre. Não sei dizer quem de nós foi alcançado primeiro, só sei dizer que, olhando o chão, a terra de nossa condição, vislumbramos o Céu e já não sabemos olhar noutra direção. Olhamos juntos para a mesma luz e aqui embaixo vemos o alto, a vida do espírito, a vida melhor!

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